terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

UNIDADE I (Noções Gerais 02/02/15 a 06/02/15) As Relações Contratuais e Análise Estrutural do Contrato



UNIDADE I. NOÇÕES GERAIS

I.                    Apresentação da Matéria

Como definir o regime jurídico aplicável?
Identificar a relação jurídica

Contratos de consumo
Contrato civil
Contrato empresarial
Fornecedor / Consumidor

Lei 8.078/90 (C.D.C)
Código Civil
Parte Geral + Especial
(Arts 421 850)
+ Leis Especiais (ex: Lei 8.245/91)

1.       Conceito de Consumidor

Exemplos:
Fábrica de calçados (couro/produtos de limpeza)
Taxista
Cabeleireira que adquire secador
Academia que adquire máquinas.
Caminhoneiro que adquire veículo para fazer fretes.

1.1.  Teoria Finalista

Consumidor é aquele que retira definitivamente de circulação o produto ou serviço do mercado. O consumidor adquire produto ou utiliza serviço para suprir necessidade ou satisfação eminentemente pessoal ou privada, e não para o desenvolvimento de uma outra atividade de cunho empresarial ou profissional.

Dessa forma, a aquisição ou uso do bem ou serviço para o exercício de atividade econômica, civil ou empresarial, descaracteriza o requisito essencial à formação da relação de consumo. Esta corrente sustenta que o objetivo do CDC é proteger aqueles que realmente precisam. Adota o conceito de consumidor como “destinatário econômico do produto ou serviço.”

Exemplo:

Empresa
Produto Adquirido
Enquadramento
Fábrica de Calçados
Produto de Limpeza
È consumidor, pois retira o produto ou serviço da cadeia de consumo (esses produtos não são utilizados diretamente no processo produtivo da empresa)
Fábrica de Calçados
Couro
Não é consumidor, pois está adquirindo matéria prima para o incremento de sua atividade.

Outros Exemplos:

Exemplos: móveis e utensílios que compõem o estabelecimento, programas de computador utilizados em escritório.... (isso não é destinação final). Tais produtos ingressam na atividade econômica, caracterizando sua utilização como instrumento do ciclo produtivo de outros bens ou serviços.

1.2.  Doutrina Maximalista

Para a doutrina maximalista, não interesse o uso particular ou profissional do bem. Com efeito, como o próprio nome sugere, a teoria maximalista é bem mais ampla e só não considera consumidor “aquele que participa diretamente do processo de produção, transformação, montagem, beneficiamento ou revenda.” Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem, ou não, fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço.

Assim, para a doutrina maximalista, o consumidor é o destinatário fático do produto. É aquele que retira da cadeia de produção (produção, transformação, montagem, beneficiamento ou revenda).

Exemplos: fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, escritório que compra computadores para a redação de peças processuais...

Na teoria maximalista (objetiva), “destinatário final é o destinatário fático do produto ou serviço, ou seja, é aquele que adquire o produto ou serviço, retirando-o do mercado de consumo. [...] não importa a destinação econômica que a PF ou PJ pretende dar ao produto ou serviço. Basta a retirada do bem de consumo da cadeia de produção para que se identifique o consumidor... é irrelevante se o produto ou serviço será revendido, empregado profissionalmente ou utilizado para fim pessoal ou familiar.

Nessa linha, considera-se consumidor, por exemplo, o empresário que adquire uma máquina nova para empregá-la na produção têxtil de sua fábrica.

1.3.  Doutrina Finalista Temperada

Esta corrente defende que também é considerado destinatário final todo aquele que, embora tenha adquirido ou utilizado produto e serviço para fins profissionais ou econômicos, seja considerado vulnerável dentro daquela relação. No caso do taxista que adquire um veículo para sua atividade. É óbvio que há o uso econômico do produto, mas o taxista, por ser considerado vulnerável em relação à fabricante, é considerado consumidor.

Ainda no exemplo do táxi, se fosse adotada a teoria finalista, o taxista não seria considerado consumidor.

è  Quadro Conclusivo

Teoria maximalista (objetiva)
Consumidor é a PF ou PJ que adquire ou utiliza o produto ou serviço, retirando-o da cadeia de produção (destinatário fático), independentemente da destinação que é dada ao bem.
Teoria Finalista (subjetiva)
Consumidor é a PF ou PJ que adquire ou utiliza produto ou serviço (destinatário fático) para fim pessoal, privado ou familiar, em revendê-lo ou incrementá-lo em sua atividade profissional (destinatário econômico)
Teoria Finalista Aprofundada
Consumidor, em regra, é o destinatário fático e econômico do bem. Excepcionalmente, também poderá ser considerado consumidor a PJ ou PJ que, embora faça uso do produto ou serviço para fim profissional, comprove, em concreto, sua condição de vulnerabilidade.




II.                    Análise Estrutural do Contrato

1.       Conceito de Contrato

O objetivo deste capítulo é o de identificar o contrato como uma categoria jurídica para diferenciá-lo de categorias afins.

Numa visão clássica, estrutural e sucinta, o contrato é o “acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos” (BEVILAQUA apud GONÇALVES, 2012, p. 22). Ou, como prefere Caio Mario: “acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos”[1]

Para se chegar a este conceito é preciso relembrar, ainda que sucintamente, do que foi estudado na parte geral sobre os negócios jurídicos. Em resumo, como foi visto, fato jurídico é todo acontecimento que produz efeitos jurídicos (criação, alteração ou extinção de relações jurídicas). Esta é a categoria geral, da qual emergem as demais.

Do fato jurídico surgem outras duas categorias: o fato jurídico em sentido estrito, que é aquele evento produzido por circunstâncias alheias à vontade do homem, que produzem efeitos jurídicos, como as nefastas conseqüências provocadas por uma longa estiagem (período de seca), como o racionamento de energia (O Fórum Econômico Mundial de 2015 apontou a seca como o principal risco de uma crise mundial[2]), ou o decurso do tempo, que extingue a pretensão do credor de uma obrigação.

A outra categoria é a do ato jurídico, que compreende aqueles eventos resultantes da manifestação da vontade humana e que também produzem efeitos jurídicos aptos a criar, modificar ou extinguir relações jurídicas.

Mas antes de entrar nos exemplos, é preciso alertar que existem duas categorias de atos jurídicos, os negócios jurídicos unilaterais, os bilaterais e os plurilaterais. Devido a importância da distinção entre as mencionadas categorias, segue-se um tópico à parte para abordá-los.

1.1.   Negócios Jurídico Unilateral, Bilateral e Plurilateral

Embora essas três categorias tenham em comum o fato de surgirem da vontade humana, elas se distinguem quanto ao momento de sua formação, ou seja, elas surgem da vontade humana, mas a produção de seus efeitos pode ocorrer em momentos distintos.

Neste sentido, o negócio jurídico unilateral é aquele que se aperfeiçoa (que se forma) com a manifestação de vontade de apenas uma das partes, do qual são os mais nítidos exemplos o testamento e a promessa de recompensa.

Já o negócio jurídico bilateral é aquele que depende, para a sua formação, do encontro de vontade de duas partes, enquanto o negócio jurídico plurilateral, por sua vez, envolve a manifestação de mais de duas vontades. Os contratos são exemplos por excelência de negócio jurídico bilateral, mas nada impede que existam contratos formados pelo encontro de mais de duas vontades, como é o caso do contrato de uma sociedade, que é classificado pela doutrina italiana como contrato plurilateral.

A diferença, portanto, está no número de vontades necessárias à formação do ato jurídico. O contrato é um negócio jurídico pelo menos bilateral.

A doação, por exemplo, foi incluída pelo Código Civil como uma espécie de contrato. Isso significa que o beneficiário do ato, o chamado “donatário”, tem que manifestar sua vontade para dizer se aceita ou não a liberalidade oferecida pelo doador. Enquanto esta vontade não for manifestada, não se forma o contrato de doação. 

1.2.  O Autocontrato ou Contrato Consigo Mesmo (mandato em causa própria)

Alguém poderia celebrar um autocontrato ou contrato consigo mesmo? Esta pergunta realmente não faz sentido porque não tem lógica! Afinal, não posso comprar algo que já é meu, assim como não posso contratar um serviço que eu mesmo vou prestar.

Portanto, a atenção que se deve ter neste aspecto é que a doutrina criou esta expressão (“autocontrato”) para definir aquele negócio em que o representante, no seu próprio interesse, celebra consigo mesmo.

Por exemplo: A outorga uma procuração a B para que este realize a venda deste bem. A pergunta que se faz é: B, mesmo sendo mandatário de A, pode comprar o imóvel? A resposta é afirmativa, desde que o representante tenha poderes específicos para tanto.

A lei exige que esta possibilidade fique expressa no contrato para evitar possíveis “conflitos de interesses”, já que enquanto o representado/mandante quer um preço maior, o comprador, que no caso é o representante, quer um preço menor na compra do imóvel.

Mas se, mesmo sem poderes expressos, o representante vier a concluir o negócio, comprando o imóvel para si, o representado pode anular o negócio e diante da omissão legal a respeito do prazo para a anulação do contrato, aplica-se a regra geral prevista no art. 179 do Código Civil, de forma que o representado terá até dois anos para propor a ação anulatória.

Observa-se, no entanto, que não é correto dizer que houve um autocontrato ou contrato consigo mesmo. O que há, aproveitando do exemplo dado, é um contrato entre A e B, com a diferença que A manifestou sua vontade por intermédio de seu procurador B. Apesar disso, o contrato tem duas partes compostas por pessoas distintas. O autocontrato é na verdade o mandato em causa própria, previsto no art. 685 do Código Civil.

Sobre o tal contrato consigo mesmo, conferir o disposto no art. 117, 179 e 685 do Código Civil:

Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.

Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.

Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.

2.       Requisitos de Validade do Contrato 

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2012), os requisitos dos contratos podem ser divididos em dois grandes grupos: requisitos subjetivos e objetivos. São da primeira modalidade a capacidade civil e o consentimento livre e expresso do agente e do segundo o objeto lícito, possível, determinado ou determinável e a forma prescrita ou não defesa em lei.

Em síntese:

Requisitos Subjetivos
Requisitos Objetivos
Capacidade Civil
Consentimento Livre e Expresso do Agente.
Objeto, lícito, possível, determinado ou determinável
Forma prescrita ou não defesa em lei.





2.1.  Requisitos Subjetivos

2.1.1.         Capacidade Civil do agente

O critério para se reconhecer a capacidade civil da pessoa natural no direito brasileiro é o discernimento, que é presumido quando atingida a maioridade, aos 18 anos, mas que pode ser afastado por meio de um processo de interdição no qual fique comprovada a existência de problemas mentais.

2.1.1.1.    Capacidade Negocial da Pessoa Natural

Muito embora a lei exija a capacidade civil plena para que o agente possa celebrar de maneira livre e pessoal a maioria dos tipos de contratos, ela reconhece, em situações excepcionais, capacidade negocial para a celebração de certos contratos às pessoas com 16 anos completos, como ocorre no contrato de mandato, em que o mandatário pode ser menor entre 16 e 18 anos. (art. 666)

Pode-se lembrar, também, do contrato de transporte em que esta capacidade é conferida até mesmo para menores com idade abaixo de 16 anos (crianças e adolescentes que se deslocam em coletivos urbanos dentro do município onde residem).

O interessante é o contrato de transporte as regras variam dependendo da condição do passageiro: se criança ou adolescente.

De acordo com o art. 83 do ECA, a criança só pode se deslocar para outra comarca, devidamente acompanhada dos pais ou responsáveis ou mediante ordem judicial.

As exceções estão contempladas no §1º do art. 83:

§ 1º A autorização não será exigida quando:
a) tratar-se de comarca contígua à da residência da criança, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana;
b) a criança estiver acompanhada:
1) de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco;
2) de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável.


Assim, como o artigo 83 só se refere às crianças[3], um adolescente de 13 anos poderá celebrar validamente um contrato de transporte, inclusive para fora da comarca onde reside. Trata-se de uma hipótese que excepciona o requisito da capacidade civil para a prática de negócios jurídicos. A lei reconhece que o adolescente tem discernimento em tais casos.

Já se a viagem é para o exterior, a situação é mais restrita. O art. 84 do ECA exige a presença de ambos os pais ou responsável. Se a viagem for feita por apenas um dos pais, exige-se a autorização expressa do outro por documento com firma reconhecida. Fora dessas hipóteses, é necessária autorização judicial.

2.1.1.2.    Eficácia nos Contratos Firmados por Incapazes.

a)       Ninguém pode se beneficiar da própria Torpeza

Em certas circunstâncias o ordenamento termina por convalidar contratos celebrados por incapazes. O sistema empresa validade e eficácia a contratos que, em linha de princípio, seriam inválidos.

Veja, a título de exemplo, a situação prevista no art. 180 do Código civil, sobre o menor entre 16 e 18 que ocultou maliciosamente a sua idade ou afirmou expressamente ser capaz. Como se pode notar, o menor não pode eximir-se de cumprir a obrigação se agiu desta maneira.

O sistema, que está orientado à proteção do incapaz, acaba por recusar-lhe a tutela em tais casos, dando prestígio à boa fé e a confiança nas relações contratuais. Protege-se o tráfico jurídico em detrimento do menor entre 16 e 18 anos. No fim das contas, a regra é corolário do princípio geral que impede que a parte possa querer tirar algum benefício da própria torpeza.

Vejamos a redação do art. 180:

Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.

b)       Mútuo feito a Menor

Mas se o sistema pune o menor entre 16 e 18 anos que agiu de maneira maliciosa, acaba por fazê-lo em caráter excepcional, já que o sistema é todo voltado à proteção dos incapazes.

Um bom exemplo desta proteção sistêmica está na regra que impede o mutuante de reaver aquilo que emprestou ao menor. Como se verá, mútuo é uma espécie de empréstimo, que tem por objeto bens fungíveis, como dinheiro e produtos agrícolas, que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, quantidade e qualidade.

Assim, se eu empresto certa quantia em dinheiro a um menor, não poderei reaver o valor, muito menos os juros que foram combinados na negociação. 

Dizem que esta regra foi elaborada no Direito Romano, inspirada no caso do senador chamado Macedo, que foi morto pelo próprio filho menor, que executou o ato para pagar o empréstimo tomado com terceiros. O filho de Macedo seria, assim, um parricida e daí a regra do art. 588 derivada do “Senatus Consultus Macedoniano”

Art. 588. O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.

O curioso é que até o fiador do menor plenamente capaz pode se eximir da obrigação, o que, a meu ver, não faz nenhum sentido, pois tal situação acaba por permitir o enriquecimento sem causa.

Mas apesar do rigor da regra prevista no caput do art. 588, ela comporta inúmeras exceções que estão previstas no artigo seguinte. Assim, o mútuo não poderá ser reavido do menor, nem de seu fiador, salvo:

I - se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente;

II - se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais;

III - se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças;

IV - se o empréstimo reverteu em benefício do menor;

V - se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.

Como se vê, as exceções são tantas e tão amplas que acabam por reduzir significativamente o impacto na regra geral.


[1] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. III - Contratos, 18ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.

[2] http://noticias.terra.com.br/ciencia/pesquisa/crise-da-agua-e-principal-risco-para-2015-revela-pesquisa,ce6b109b603fa410VgnCLD200000b2bf46d0RCRD.html . Acesso em 21/01/15.
[3] Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
 




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