terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

UNIDADE I (Análise Estrutural do Contrato - CONTINUAÇÃO)




2.1.1.2.    Legitimação

a)       Conceito

Por vezes a capacidade civil plena não é suficiente para a conclusão de certo contrato, pois o agente, em razão de uma posição específica assumida em relação a determinada pessoa ou em razão de um determinado fato, não tem legitimação para celebrar individualmente determinado negócio.

Dessa forma, pode-se afirmar que a legitimação é uma condição especial exigida de certas pessoas em razão de uma posição específica assumida por ela em relação a determinadas pessoas ou em função de um determinado fato. Assim, “essas hipóteses não dizem respeito propriamente à capacidade geral, mas à falta de legitimação ou impedimentos para a realização de certos negócios.” (GONÇALVES, 2012, p. 35)

Vejamos alguns exemplos:

b)       Outorga Conjugal (art. 1.647)

As pessoas casadas são consideradas capazes para todos os fins. O casamento é em si causa legal de emancipação. Mas a capacidade civil não basta para que um dos cônjuges possa concluir individualmente certos atos sem a autorização do outros.

Assim dispõe o art. 1.647:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.

Observe que a exigência de outorga é a condição especial para que o cônjuge interessado no ato tenha legitimação para concluí-lo. A legitimação decorre de uma posição específica que o agente assumiu em relação a uma pessoa, seu cônjuge.

Sem enveredar em discussões aprofundadas que este artigo desperta, pode-se afirmar que a ausência da outorga conjugal é uma causa que pode anular o ato praticado pelo outro. Para tanto, o cônjuge preterido deve propor a ação anulatória no prazo máximo de 2 anos, contados do término da sociedade conjugal, nos termos do art. 1.649:

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.

c)       Venda de Ascendente para Descendente (art. 496)

Outro exemplo de legitimação prevista no Código Civil é a da venda de ascendente para descendente. A venda, para ser válida, depende da autorização dos demais descendentes, assim como do cônjuge do alienante. A falta de autorização também pode ser invocada como causa de anulação do contrato. Diante da omissão do código em relação ao prazo da ação anulatória, aplica-se a regra geral do art. 179.

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.

O STJ já chegou a se manifestar expressamente sobre o assunto no REsp 771.736-0/SC): 
 
“[...]1. A anulação da venda de ascendente para descendente por interposta pessoa, sob o regime do Código Civil anterior, prescreve em quatro anos. A configuração de ato anulável, de resto, já está consolidada no Código Civil vigente (art. 496) que reduziu o prazo para dois anos, "a contar da data da conclusão do ato" (art. 179).”

d)       Impedimentos do Art. 497

O art. 497 contempla outras hipóteses de ilegitimidade para a prática do ato visando preservar interesses de certas pessoas em determinadas situações.  A consequência aqui é mais grave. O defeito é a nulidade!

Assim, as pessoas referidas no 497 não possuem legitimidade para a compra de determinados bens, ainda que em hasta pública, e, caso seja efetuada, será considerada nula.

i.      Os tutores, curadores, testamenteiros e administradores não poderão adquirir os bens confiados à sua guarda.
ii.     Servidores públicos (agentes públicos em geral) não poderão adquirir os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem ou que estejam sob sua administração direta ou indireta.
iii.   Juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça não poderão adquirir bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que estender a sua autoridade

Ressalva-se, quanto a esta hipótese, o previsto no art. 498 do código, que dispõe: “ [...] esta proibição não compreende os casos de compra e venda entre coerdeiros, ou em pagamento de dívida, ou para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso.”

O STJ já declarou a nulidade do ato de um servidor lotado no local onde se realizou a arrematação do bem:


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ARREMATAÇÃO. IMPEDIMENTOS. ARTS. 690 DO CPC, 1133 DO CC/16 E 497 DO CC/02. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA A TODOS OS SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA. 1. Da análise sistemática da legislação adjetiva e material, extrai-se que o impedimento à aquisição de bens em hasta pública atinge quaisquer serventuários da justiça que se encontrarem lotados no local em que for realizada a arrematação.Tais restrições objetivam resguardar a ética e a moralidade públicas, impedindo as pessoas que se encontrem vinculadas ao juízo, possam tirar vantagens nas compras e vendas realizadas sob sua autoridade e fiscalização. 2. O art. 497 do Código Civil de 2002, confirmou o entendimento sufragado na doutrina e jurisprudência acerca da interpretação do art 490 do CPC, pois consignou, expressamente, que a vedação à aquisição de bens ou direitos em hasta pública açambarca todos os funcionários que se encontrarem lotados na circunscrição em que se realizará a alienação. 3. Recurso especial provido.(REsp 774.161/SC)

2.1.2.         Consentimento

Já que o contrato se forma do encontro ou da convergência de vontade manifestada por pelo menos duas pessoas, afirma-se que o consentimento é um de seus elementos principais. Este consentimento deve ser livre, no sentido de estar isento de qualquer defeito que possa viciar a liberdade de ação do contratante, como ocorre no erro, dolo, coação, estado de perigo etc.

Neste aspecto, não se pode olvidar que as hipóteses de vício de consentimento previstas no Código Civil tornam o contrato passível de anulação, podendo o prejudicado propor a ação anulatória no prazo decadencial de 4 anos. (art. 178)

Além de livre, o consentimento deve ser expresso, como regra, ou seja, manifestado de forma inequívoca, seja por escrito, seja verbalmente ou ainda por meio de sinais e gestos. Excepcionalmente, admite-se que o silêncio venha a produzir efeitos jurídicos, como se pode observar no próximo tópico.

2.1.2.1.    Silêncio Qualificado

O ditado popular “quem cala consente” não se aplica ao Direito, pois, como visto, o consentimento deve ser manifestado expressamente. No entanto, em certas situações é possível que até mesmo a ausência deste consentimento – o silêncio – seja apto a produzir efeitos. Assim, quando o direito reconhece a existência de efeitos mesmo em caso de silêncio de uma das partes, tem-se o que se chama de silêncio qualificado.

Nesta perspectiva, o art. 111 do Código Civil prescreve que:

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

É possível lembrar, ainda, de algumas hipóteses em que o direito entende que o silêncio implica anuência:

a)       Aceitação Presumida do Donatário

No contrato de doação, o doador pode notificar o donatário e fixar-lhe um prazo para manifestação volitiva. Ao término do prazo, caso o donatário não demonstre expressamente a aceitação, presume-se que ele consentiu. (art. 539)

Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.

b)       Autorização para a Sublocação do Imóvel

A sublocação é um contrato acessório, por meio do qual aquele que alugou um imóvel, por exemplo, subloca este imóvel a terceiros. A celebração deste tipo de negócio depende de autorização expressa no contrato de locação, não importando anuência, num primeiro momento, se o locador não tomou nenhuma providência para impugnar a sublocação feita sem sua autorização expressa.

No entanto, pode o locatário notificar o locador para que este se manifeste expressamente de forma contrária ou favorável à sublocação, sob pena perder a possibilidade de impugnar o contrato realizado.

A este respeito, conferir o disposto no Art. 13 da Lei de Locações (Lei 8.245/91):

Art. 13. A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador.

§ 1º Não se presume o consentimento pela simples demora do locador em manifestar formalmente a sua oposição.

§ 2º Desde que notificado por escrito pelo locatário, de ocorrência de uma das hipóteses deste artigo, o locador terá o prazo de trinta dias para manifestar formalmente a sua oposição.

2.2.          Requisitos Objetivos

2.2.1. Forma

2.2.1.1. Breve Histórico

No sistema jurídico romano existente no período entre 510 a.C e 27 a.C, existiam duas espécies de convenções (conventio), o contractus e o pactum.

Assim, num primeiro momento, só podia se falar de contractus se fossem observadas determinadas formalidades, dentre as quais se destacam a:

è  Litteris. Uma boa forma de assimilar esta formalidade do direito romano é entendê-la como sendo a inscrição material do contrato no livro do credor. É como se o credor tivesse de registrar em cartório todos os seus contratos para poder executar o devedor em caso de inadimplemento.
è  Re. Por esta formalidade, o contrato só se formava quando a coisa era efetivamente entregue ao outro contratante. Ou seja, para a formação do contrato era indispensável a tradição.
è  Verbis. Como o próprio nome sugere, este tipo de formalidade consistia na verbalização de certas expressões orais para dar validade ao contrato.

Sendo assim, somente o contrato que se revestia de tais formalidades conferiam ao credor a possibilidade de demandar o devedor em juízo, por meio da actio. Nota-se, então, que o simples acordo de vontades não era suficiente para a formação do contrato, que dependia do cumprimento das formalidades. (FIÚZA, 2010)

Cesar Fiúza afirma que o apego à formalidade, no sistema romano, se justificava por razões religiosas e práticas. Religiosas porque “os contratos só seriam abençoados pelos deuses se seguissem os rituais adequados” (2010, p. 18). E prático em função da pouca utilização da escrita, o que estimulava o emprego de palavras e rituais orais para solenizar o ato.

Já a outra espécie de convenções, o pacta, eram celebrados sem qualquer obediência à forma, bastando o acordo de vontades (FIÚZA, 2010, p. 18). Em contrapartida, se o devedor não cumpria a obrigação, o credor não tinha nenhuma ação contra ele, pois se tratava de uma obrigação natural.

No entanto, com o passar dos anos o direito romano conferiu a actio a quatro tipos de pacta: venda, locação, mandato e sociedade. Com isso surgiu a categoria de contratos que se formavam apenas pelo consentimento – solo consensu – dos contratantes


A partir daí a tendência foi a de se conferir força cada vez maior à vontade manifestada pelas partes, em detrimento das formas, tudo para atender as necessidades de uma sociedade marcadamente mercantil (FIÚZA, 2010 p. 21)

A dinâmica da sociedade de consumo de massa em que vivemos exige a eliminação de obstáculos e barreiras que possam burocratizar a celebração de contratos. Todos querem agilidade, ainda que se tenha que abrir mão de certa segurança com isso.

Dessa forma, em matéria de contratos, prevalece o princípio da liberdade das formas, contemplado pelo art. 107 da codificação:

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

Com efeito, pelo princípio da liberdade das formas, também conhecido como princípio do consensualismo para alguns (FIÚZA, 2010), a simples manifestação de vontade é suficiente para a formação da grande maioria dos contratos, sendo dispensada a realização de outras formalidades.

2.2.1.2.    O Problema da Comprovação dos Contratos Verbais no Brasil

a)       Previsões Legais

Diante do princípio da liberdade das formas (consensualismo), a maioria dos contratos no direito brasileiro tem a forma livre, podendo ser celebrado por qualquer meio de manifestação de vontade,  como se dá na compra e venda de bens móveis, locação, prestação de serviço, empreitada, comodato, mútuo, depósito etc.

A questão chega até ser cultural, pois é difícil encontrar alguém que fez contrato escrito com pedreiro, pintor, dentista, só para ficar com alguns exemplos, para a execução de contratos de empreitada ou prestação de serviços.

O fato de o contrato ter sido celebrado verbalmente não faz com que ele seja inválido, mas pode causar transtornos no momento de se comprová-lo na hipótese de uma ação judicial. Portanto, uma coisa é a forma exigida para um contrato, outra é a sua prova.

É que no Brasil, nos termos do art. 227 do CC e 401 do CPC, só se admite a prova exclusivamente testemunhal nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.

Eis o teor dos polêmicos dispositivos:

Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.

Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados.

b)       Tese Sobre a inconstitucionalidade dos arts. 227 do CC e 401 do CPC.

A restrição probatória imposta por lei é vista por alguns como violação do princípio da ampla defesa e do contraditório, pois deve-se permitir todos os meios legítimos de prova para que o interessado possa demonstrar o seu direito.

Nesta perspectiva, os arts. 227 do CC e 401 do CPC são inconstitucionais e não devem ser aplicados, por ofensa à garantia constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV da CR/88):

Art.5º [...]
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Com efeito, sendo a liberdade probatória um recurso inerente à ampla defesa, também entendo ser inconstitucional a restrição imposta pelos artigos em análise.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que é inconstitucional a regra prevista no art. 55,§1º, da Lei 8.213/91, que veda, para a comprovação de tempo de serviço, a prova exclusivamente testemunhal. De acordo com o relator do acórdão, a restrição afeta a busca do direito justo:

RESP - PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA - TEMPO DE SERVIÇO – PROVA TESTEMUNHAL - A Constituição da República admite qualquer espécie de prova. Há uma restrição lógica: obtida por meio ilícito (art. 5º, LVI). Note-se: integra o rol dos Direitos e Garantias Fundamentais. Evidente a inconstitucionalidade da Lei nº 8.213/91 (art. 55, § 1º) que veda, para a comprovação de tempo de serviço, a prova exclusivamente testemunhal. A restrição afeta a busca do Direito Justo. O STJ entende em sentido contrário. Por política judiciária, ressalvando o entendimento pessoal, venho subscrevendo a tese majoritária. (REsp 177214/SP)

No caso citado, o relator fez várias considerações sobre o revogado artigo 141 do Código Civil de 1916, que tinha praticamente a mesma redação do atual art. 227. Em suas próprias palavras:

“[...] Sempre entendi, e já manifestei, em julgamentos anteriores, minhas dúvidas quanto à constitucionalidade do então art. 141, caput,  do Código Civil que limitava a eficácia da prova exclusivamente testemunhal a contratos cujo valor não excedesse o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados. Esse dispositivo reeditara roteiro da redação inicial do Código, alterando, como fizeram, antes, outras leis, apenas o valor da avença.

A prova testemunhal é admitida em Direito. Não pode, por isso, ainda que lei o faça, ser excluída, notadamente quando for o único hábil a evidenciar o fato”

Na seqüência, o relator ainda salientou que o caso envolvia um trabalhador rural (bóia fria), que se trata de pessoa simples e não afeita à formalidade do Direito.

c)       Posição Adotada pelo STJ em Matéria de Direito Previdenciário

Apesar disso, esta não é a posição consolidada do STJ em matéria de direito previdenciário, pois a Corte aplica a Súmula 149, segundo a qual: “a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícula, para efeito de obtenção do benefício previdenciário”.

Um caso recente (DJe 09/12/2014), da Primeira Turma, indica esse posicionamento do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. NÃO CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Hipótese em que o Tribunal local consignou que a ora agravante não trouxe aos autos qualquer prova material que sirva como indício de exercício de atividade rural, sendo impossível a concessão do benefício pleiteado baseando-se em prova exclusivamente testemunhal. 2. É inviável analisar a tese defendida no Recurso Especial, a qual busca afastar as premissas fáticas estabelecidas pelo acórdão recorrido, pois inarredável a revisão do conjunto probatório dos autos. Aplica-se o óbice da Súmula 7/STJ.
3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 580437/SP)

d)       Posição do STJ em matéria de Contratos

Um acórdão proferido pela 2ª Seção do STJ, com ementa um pouco confusa, revela que o STJ já reconheceu a possibilidade de comprovação de um contrato de corretagem por prova exclusivamente testemunhal. Essa conclusão não pode ser extraída da ementa do acórdão, mas sim das considerações do ministro Aldir Passarinho Júnior:

EMENTA:

PROCESSUAL CIVIL. CORRETAGEM DE IMÓVEIS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. CABIMENTO. ART. 401 DO CÓD. PROC. CIVIL. Em interpretação edificante e evolutiva do artigo 401 do Código de Processo Civil, este Tribunal tem entendido que só não se permite a prova exclusivamente por depoimentos no que concerne à existência do contrato em si, não encontrando óbice legal, inclusive para evitar o enriquecimento sem causa, a demonstração, por testemunhas, dos fatos que envolveram os litigantes, bem como das obrigações e dos efeitos decorrentes desses fatos. Embargos rejeitados. (EREsp 263.387-PE)
 
VOTO DO MIN. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR
 
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr.
Presidente, o que a jurisprudência passou a admitir, em uma exegese mais liberal, é que o fato decorrente, ou seja, a prestação do serviço em si, pode ser provado mediante prova testemunhal, que, hoje em dia, é o que ocorre, normalmente, no trabalho de corretagem; há um contrato verbal, informal; ninguém mais assina uma proposta firme com a corretora. E outro aspecto, no qual não havia pensado quando elaborei o voto - o acórdão embargado é meu -, é que se admite a oralidade no contrato de trabalho; e o contrato de corretagem, muito embora não seja um contrato de trabalho, mas um contrato de cunho civil, representa o ganha-pão do corretor, de modo que haveria uma perda muito grande se se interpretasse de outra forma. Limito-me a acompanhar o eminente Ministro-Relator, pelos fundamentos do seu voto e, ainda, pelos fundamentos do acórdão embargado, que foi de minha relatoria.

Esta posição me parece mais coerente e harmoniosa com o princípio da ampla defesa e deve ser mesmo aplicada nos casos concretos. Até porque, como visto acima, a forma verbal é muito comum em contrato de trabalho; corretagem; mediação; prestação de serviço; empreitada; contrato agrário; contrato de gado; parceria rural (STJ, 3ª T, REsp. 10.807/PI, prestação de serviço, sociedade de fato etc.

e)       A Matéria no Texto Base do Novo CPC Aprovado pelo Senado Federal

Com apenas algumas alterações gramaticais, o Art. 429 do Texto Base do novo CPC, aprovado recentemente pelo Senado Federal, praticamente repete a regra do art. 401 do CPC/73. Em minha opinião, seria excelente oportunidade para revogar esta disposição e alinhar o código à Constituição:

Redação do CPC (art. 401)
Alterações do Projeto Original em Comparação com o CPC/73
Alterações do Relatório-Geral em Comparação com o Projeto Original (Art. 429)
A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados.
A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda ao décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados.
A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda ao décuplo do salário mínimo, ao tempo em que foram celebrados.

2.2.1.3.    Contratos Formais e Solenes no Direito Brasileiro

O formalismo não é regra no direito brasileiro, mas as exceções devem ser conhecidas, pois se o contrato não atende à forma prescrita em lei, apresentará um defeito grave, que conduzirá à sua nulidade (art. 166, IV) do CC/02.

a)       Terminologia

De início, convém demonstrar a existência de divergência terminológica na doutrina. Para certos autores, contratos formais e solenes são expressões sinônimas[1], mas para outros[2], contrato solene é o que exige escritura pública para a sua formação, e formais aqueles contratos que exigem qualquer outra formalidade, como, por exemplo, a forma escrita.

Como não há nenhuma implicação prática da distinção, fico com os que entendem se tratar de expressões sinônimas. Assim, contratos formais ou solenes são aqueles que exigem certas formalidades para a sua constituição válida, desde um instrumento escrito até a escritura pública, sem distinção.

b)       Alguns Exemplos

O exemplo de caráter geral é o do art. 108 do Código Civil:
    
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Portanto, na compra e venda de um imóvel de valor superior a 30 salários mínimos, ou na constituição de uma hipoteca sobre ele, o contrato deve ser celebrado por escritura pública. Pelas regras da parte especial do código, a doação também é considerada um contrato solene, por exigir a forma escrita, por instrumento público ou particular, conforme o caso:

Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.

No entanto, doações de bens móveis de pequeno valor podem ser classificadas como contratos informais ou não solenes, a teor do disposto no art. 541, p. único:

Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.

Esta espécie de doação, que tem por objeto bens móveis e de pequeno valor, seguida da imediata tradição da coisa, é conhecida como doação manual.

Não há um critério previsto para se determinar se o bem é ou não de pequeno valor. No direito penal, por exemplo, a concessão do privilégio previsto no art. 155,§2º[3]depende, dentre outros requisitos, que o bem seja considerado de pequeno valor. No caso, a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que o bem de pequeno valor é aquele que for inferior ao valor do salário mínimo[4].

Mas este critério não é recomendável que seja aplicado ao direito civil, para determinar se uma doação pode ou não assumir a forma verbal. Neste aspecto, entendo que razão está com Washington de Barros Monteiro, segundo o qual se deve ter em conta a fortuna do doador, afinal, aquilo que é de pequeno valor para uns pode ser valioso para outros.

A doação manual já foi discutida num interessante caso decidido pelo STJ. Um dono de uma casa de câmbio namorou uma advogada militante entre o final de 1992 e meados de 1994. Neste período, o namorado, pessoa abastada, deu inúmeros presentes, inclusive um vestido de R$ 2.000,00 à namorada. Além disso, ele também deu à ela um veículo Mitubishi Pajero e fazia periodicamente depósitos em dinheiro na conta dela. Ao término do relacionados aconteceu o que todos sabem: “de meu bem pra cá e meu bem pra lá passou a meus bens pra cá e seus bens pra lá”. Então o ex-namorado, dono da casa de câmbio, propôs ação pedindo a devolução dos valores depositados, que ao todo somavam quarenta mil reais, afirmando tratar-se de contrato de mútuo. No entanto, pelas provas produzidas no processo, ficou entendido que mútuo não se tratava, mas sim de doação. E o interessante é que, mesmo as quantias e os bens de pequeno valor dispensaram a forma escrita para valerem como doação. Sendo assim, a ementa do acórdão foi elaborada nos seguintes termos:
 
Direito Civil e Processual Civil. Doação à namorada. Empréstimo. Matéria de prova. I - O pequeno valor a que se refere o art. 1.168 do Código Civil há de ser considerado em relação à fortuna do doador; se se trata de pessoa abastada, mesmo as coisas de valor elevado podem ser doadas mediante simples doação manual (Washington de Barros Monteiro).II - No caso, o acórdão recorrido decidiu a lide à luz da matéria probatória, cujo reexame é incabível no âmbito do recurso especial. III - Recurso especial não conhecido. (REsp 155.240-RJ)
 
Particularmente concordo que o critério para se definir o que é bem de pequeno valor não pode ser objetivo (um salário, trinta salários etc), mas o que se deve analisar é a situação econômica do doador. Não é outro o posicionamento de Caio Mario:

Não tendo a lei instituído o critério estimativo, deixa sua fixação na decorrência das circunstâncias, e em razão das posses do doador,17 pois é certo que um mesmo objeto que para uma pessoa de elevados recursos representa valor reduzido, para outra de pequena resistência econômica alcança as proporções do inatingível.[5]

Por fim, outro contrato formal que deve ser lembrado é a fiança que, nos termos do art. 819, primeira parte, deve ser celebrado por escrito:

Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.

2.2.2.         Objeto

Por fim, o último requisito de validade a ser examinado é o objeto, que deve ser lícito, possível, determinado ou determinável.

2.2.2.1.    Licitude do Objeto

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “objeto lícito é o que não atenta contra a lei, a moral ou os bons costumes” (GONÇALVES, 2012, p. 37).  Deste conceito eu excluiria apenas a expressão “bons costumes”, que está totalmente ultrapassada numa sociedade plural como a nossa, mas fica a reflexão quanto aos limites morais do objeto.

No livro “O que o Dinheiro Não Compra”, Michael J. Sandel cita uma série de exemplos de contratos que apresentam conteúdo ou objeto imoral, permitindo a reflexão sobre o que pode ou não se objeto de um contrato.

Segundo Sandel, hoje quase tudo está à venda. Eis alguns dos exemplos citados pelo autor no capítulo introdutório:


è    Barriga de aluguel indiana? US$ 6.250. Os casais ocidentais em busca de uma mãe de aluguel recorrem cada vez mais à terceirização na Índia, onde a prática é legal e o preço corresponde a menos de um terço das taxas em vigor nos Estados Unidos.
è    Matrícula do seu filho numa universidade de prestígio? Embora o preço não seja divulgado, funcionários de certas universidades de primeira linha disseram ao Wall Street Jornal que aceitam alunos não propriamente brilhantes cujos pais sejam ricos e suscetíveis de fazer doações financeiras substanciais.
è    Combater na Somália ou no Afeganistão num contingente militar privado: US$ por mês a US$ 1.000 por dia. O pagamento varia de acordo com a qualificação, a experiência e a nacionalidade.
è    Comprar a apólice de seguro de uma pessoa idosa ou doente, pagar os prêmios anuais enquanto ela está viva e receber a indenização quando morrer: potencialmente, milhões de dólares (dependendo da apólice). Esse tipo de aposta na vida de estranhos transformou-se numa indústria de US$ 30 bilhões. Quanto mais cedo o estranho morrer, mais o investidor ganhará. (SANDEL, 2012, p. 9, 10 e 12)
   
Esses poucos exemplos citados revelam que contratos de compra e venda, locação, doação, prestação de serviço, seguro, jogo e aposta, dentre outros, são celebrados pelo mundo, mas com objetos imorais.

2.2.2.2.    Possibilidade do Objeto

Para atender este requisito, o objeto deve ser possível, tanto sobre o prisma físico e natural, como sobre o aspecto jurídico.

a)       Impossibilidade Física ou Natural

É o tipo de impossibilidade que emana das leis físicas ou naturais, que não pode ser cumpridas por qualquer pessoa. Exemplo: venda de lotes no sol (FIÚZA, 2010, p. 28), a que fixa obrigação de tocar a lua com a ponta dos dedos, sem tirar os pés da terra (GONÇALVES, 2012, p. 38). O objeto não é ilícito, mas irrealizável sob o ponto de vista fático.

b)       Impossibilidade Jurídica

Carlos Roberto Gonçalves (2012) aponta como exemplo de impossibilidade jurídica a regra do art. 426 do Código Civil.

Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

Um contrato que tenha a herança de alguém como objeto é chamado de pacta corvina, isso em referência aos corvos, animais que se alimentam de seres mortos em decomposição, e que por esta razão ficam à espreita da morte.

  Neste sentido, os contratantes seriam corvos à espera da morte daquele que detém o patrimônio que lhes será transmitido.

Para ilustrar, o STJ julgou um caso em que, numa ação de separação judicial consensual, os ex-cônjuges ajustaram que a mulher ficaria com o único imóvel do casal para si, mas, para pagamento da meação do ex-marido, ela receberia um terreno de propriedade dos pais, a título de doação, e depois os transferiria, a mesmo título, ao ex-cônjuge.

O STJ entendeu que a partilha, mesmo feita em processo judicial de separação, é nula porque teve por objeto herança de pessoa viva.

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE PARTILHA DE BENS. SEPARAÇÃO AMIGÁVEL. PARTILHA QUE ATRIBUI AO CÔNJUGE VARÃO IMÓVEL DE PROPRIEDADE DOS PAIS DA CÔNJUGE VAROA, AINDA VIVOS, COMO SUCESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS OU SOB A FORMA DE DOAÇÃO. OBJETO IMPOSSÍVEL. NULIDADE. CC, ARTS. 145, II E 1.089. I. Revela-se nula a partilha de bens realizada em processo de separação amigável que atribui ao cônjuge varão promessa de transferência de direitos sucessórios ou doação sobre imóvel pertencente a terceiros, seja por impossível o objeto, seja por vedado contrato sobre herança de pessoas vivas. II. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 300143/SP)

Mas é preciso ter uma atenção redobrada porque existe uma exceção à regra da vedação ao pacta corvina, previsto no próprio Código Civil. A exceção está no art. 2.018 que dispõe ser válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.

O pacto sucessório também pode ser colocado como exemplo de objeto ilícito por ofensa à moral, já que ele “gera um clima de expectativa de óbito entre os herdeiros que, como corvos, aguardam por este momento” (CHAVES; ROSENVALD, 2011, p. 494)

Outro exemplo de impossibilidade jurídica, é a venda de bens públicos comuns e especiais:

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

2.2.2.3.    Determinação do Objeto

Por fim, o objeto do contrato deve ser determinado, no sentido poder ser identificado pelo gênero, quantidade e qualidade. Essa perfeita identificação, que torna certo o objeto do contrato, não precisa ocorrer no momento da conclusão do negócio. Assim, basta que o objeto seja definido pelo gênero, pois nos contratos sujeitos a risco (aleatórios), o objeto sequer pode vir a existir, e mesmo assim persistir a obrigação do outro contratante.

E como explica César Fiúza: “Não se pode celebrar um contrato cujo objeto seja ‘vender grãos’. Ora, que grãos? Milho? Feijão? Em que Quantidade? Qual deverá ser a Qualidade desses grãos” Tudo isso teem que ser determinado no momento da celebração ou, quando nada, o contrato deve conter elementos que possibilitem a determinação, quando de sua execução” (FIÚZA, 2010, p. 29)


[1] Neste sentido, César Fiúza (2010, p. 137); Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 108); Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 173); Marcos Bernardes de Mello, Nelson Rosenvald e Cristiano de Farias Chaves (2011, p. 281)
[2] Neste sentido, Silvio de Salvo Venosa e Flávio Tartuce (2014, p. 36)
[3] Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
[...]
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
[4] HC 286680/RJ.

[5] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. III - Contratos, 18ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.

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