2.1.1.2. Legitimação
a)
Conceito
Por vezes a
capacidade civil plena não é suficiente para a conclusão de certo contrato,
pois o agente, em razão de uma posição específica assumida em relação a
determinada pessoa ou em razão de um determinado fato, não tem legitimação para
celebrar individualmente determinado negócio.
Dessa forma,
pode-se afirmar que a legitimação é uma condição especial exigida de certas
pessoas em razão de uma posição específica assumida por ela em relação a
determinadas pessoas ou em função de um determinado fato. Assim, “essas
hipóteses não dizem respeito propriamente à capacidade geral, mas à falta de legitimação ou impedimentos para
a realização de certos negócios.” (GONÇALVES, 2012, p. 35)
Vejamos alguns
exemplos:
b)
Outorga Conjugal
(art. 1.647)
As pessoas
casadas são consideradas capazes para todos os fins. O casamento é em si causa
legal de emancipação. Mas a capacidade civil não basta para que um dos cônjuges
possa concluir individualmente certos atos sem a autorização do outros.
Assim dispõe o
art. 1.647:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648,
nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da
separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens
ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens
comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais
feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.
Observe que a
exigência de outorga é a condição especial para que o cônjuge interessado no
ato tenha legitimação para concluí-lo. A legitimação decorre de uma posição
específica que o agente assumiu em relação a uma pessoa, seu cônjuge.
Sem enveredar em
discussões aprofundadas que este artigo desperta, pode-se afirmar que a
ausência da outorga conjugal é uma causa que pode anular o ato praticado pelo
outro. Para tanto, o cônjuge preterido deve propor a ação anulatória no prazo
máximo de 2 anos, contados do término da sociedade conjugal, nos termos do art.
1.649:
Art.
1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará
anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até
dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.
c)
Venda de
Ascendente para Descendente (art. 496)
Outro exemplo de
legitimação prevista no Código Civil é a da venda de ascendente para
descendente. A venda, para ser válida, depende da autorização dos demais
descendentes, assim como do cônjuge do alienante. A falta de autorização também
pode ser invocada como causa de anulação do contrato. Diante da omissão do
código em relação ao prazo da ação anulatória, aplica-se a regra geral do art.
179.
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a
descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante
expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o
consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.
Art.
179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer
prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da
conclusão do ato.
O STJ já chegou a se manifestar expressamente sobre o assunto no REsp 771.736-0/SC):
“[...]1. A anulação da venda de ascendente para descendente por interposta pessoa, sob o regime do Código Civil anterior, prescreve em quatro anos. A configuração de ato anulável, de resto, já está consolidada no Código Civil vigente (art. 496) que reduziu o prazo para dois anos, "a contar da data da conclusão do ato" (art. 179).”
d)
Impedimentos do
Art. 497
O art. 497 contempla outras
hipóteses de ilegitimidade para a prática do ato visando preservar interesses
de certas pessoas em determinadas situações.
A consequência aqui é mais grave. O defeito é a nulidade!
Assim, as pessoas referidas
no 497 não possuem legitimidade para a compra de determinados bens, ainda que
em hasta pública, e, caso seja efetuada, será considerada nula.
i.
Os
tutores, curadores, testamenteiros e administradores não poderão adquirir os
bens confiados à sua guarda.
ii.
Servidores
públicos (agentes públicos em geral) não poderão adquirir os bens ou direitos
da pessoa jurídica a que servirem ou que estejam sob sua administração direta
ou indireta.
iii.
Juízes,
secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou
auxiliares da justiça não poderão adquirir bens ou direitos sobre que se
litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que
estender a sua autoridade
Ressalva-se,
quanto a esta hipótese, o previsto no art. 498 do código, que dispõe: “ [...] esta proibição não compreende os casos de
compra e venda entre coerdeiros, ou em pagamento de dívida, ou para garantia de
bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso.”
O STJ já declarou a nulidade
do ato de um servidor lotado no local onde se realizou a arrematação do bem:
PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ARREMATAÇÃO. IMPEDIMENTOS. ARTS. 690 DO CPC, 1133 DO
CC/16 E 497 DO CC/02. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA A TODOS OS SERVENTUÁRIOS DA
JUSTIÇA. 1. Da análise sistemática da legislação adjetiva e material, extrai-se
que o impedimento à aquisição de bens em hasta pública atinge quaisquer
serventuários da justiça que se encontrarem lotados no local em que for
realizada a arrematação.Tais restrições objetivam resguardar a ética e a
moralidade públicas, impedindo as pessoas que se encontrem vinculadas ao juízo,
possam tirar vantagens nas compras e vendas realizadas sob sua autoridade e
fiscalização. 2. O art. 497 do Código Civil de 2002, confirmou o entendimento
sufragado na doutrina e jurisprudência acerca da interpretação do art 490 do
CPC, pois consignou, expressamente, que a vedação à aquisição de bens ou
direitos em hasta pública açambarca todos os funcionários que se encontrarem
lotados na circunscrição em que se realizará a alienação. 3. Recurso especial
provido.(REsp 774.161/SC)
2.1.2.
Consentimento
Já que o
contrato se forma do encontro ou da convergência de vontade manifestada por
pelo menos duas pessoas, afirma-se que o consentimento é um de seus elementos
principais. Este consentimento deve ser livre, no sentido de estar isento de
qualquer defeito que possa viciar a liberdade de ação do contratante, como
ocorre no erro, dolo, coação, estado de perigo etc.
Neste aspecto,
não se pode olvidar que as hipóteses de vício de consentimento previstas no
Código Civil tornam o contrato passível de anulação, podendo o prejudicado
propor a ação anulatória no prazo decadencial de 4 anos. (art. 178)
Além
de livre, o consentimento deve ser expresso, como regra, ou seja, manifestado
de forma inequívoca, seja por escrito, seja verbalmente ou ainda por meio de
sinais e gestos. Excepcionalmente, admite-se que o silêncio venha a produzir
efeitos jurídicos, como se pode observar no próximo tópico.
2.1.2.1. Silêncio Qualificado
O ditado popular
“quem cala consente” não se aplica ao Direito, pois, como visto, o
consentimento deve ser manifestado expressamente. No entanto, em certas
situações é possível que até mesmo a ausência deste consentimento – o silêncio
– seja apto a produzir efeitos. Assim, quando o direito reconhece a existência
de efeitos mesmo em caso de silêncio de uma das partes, tem-se o que se chama
de silêncio qualificado.
Nesta
perspectiva, o art. 111 do Código Civil prescreve que:
Art.
111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o
autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
É possível
lembrar, ainda, de algumas hipóteses em que o direito entende que o silêncio
implica anuência:
a)
Aceitação
Presumida do Donatário
No contrato de
doação, o doador pode notificar o donatário e fixar-lhe um prazo para
manifestação volitiva. Ao término do prazo, caso o donatário não demonstre
expressamente a aceitação, presume-se que ele consentiu. (art. 539)
Art.
539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a
liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a
declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.
b)
Autorização para
a Sublocação do Imóvel
A sublocação é
um contrato acessório, por meio do qual aquele que alugou um imóvel, por
exemplo, subloca este imóvel a terceiros. A celebração deste tipo de negócio
depende de autorização expressa no contrato de locação, não importando
anuência, num primeiro momento, se o locador não tomou nenhuma providência para
impugnar a sublocação feita sem sua autorização expressa.
No entanto, pode
o locatário notificar o locador para que este se manifeste expressamente de
forma contrária ou favorável à sublocação, sob pena perder a possibilidade de
impugnar o contrato realizado.
A este respeito,
conferir o disposto no Art. 13 da Lei de Locações (Lei 8.245/91):
Art. 13. A cessão da locação, a sublocação e o
empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e
escrito do locador.
§ 1º Não se presume o consentimento pela simples
demora do locador em manifestar formalmente a sua oposição.
§ 2º Desde que notificado por escrito pelo locatário,
de ocorrência de uma das hipóteses deste artigo, o locador terá o prazo de
trinta dias para manifestar formalmente a sua oposição.
2.2.
Requisitos
Objetivos
2.2.1.
Forma
2.2.1.1.
Breve Histórico
No sistema
jurídico romano existente no período entre 510 a.C e 27 a.C, existiam duas
espécies de convenções (conventio), o
contractus e o pactum.
Assim, num
primeiro momento, só podia se falar de contractus
se fossem observadas determinadas formalidades, dentre as quais se destacam a:
è
Litteris. Uma boa forma
de assimilar esta formalidade do direito romano é entendê-la como sendo a
inscrição material do contrato no livro do credor. É como se o credor tivesse
de registrar em cartório todos os seus contratos para poder executar o devedor
em caso de inadimplemento.
è
Re. Por esta
formalidade, o contrato só se formava quando a coisa era efetivamente entregue
ao outro contratante. Ou seja, para a formação do contrato era indispensável a
tradição.
è
Verbis. Como o próprio
nome sugere, este tipo de formalidade consistia na verbalização de certas
expressões orais para dar validade ao contrato.
Sendo assim,
somente o contrato que se revestia de tais formalidades conferiam ao credor a
possibilidade de demandar o devedor em juízo, por meio da actio. Nota-se, então, que o simples acordo de vontades não era
suficiente para a formação do contrato, que dependia do cumprimento das
formalidades. (FIÚZA, 2010)
Cesar Fiúza
afirma que o apego à formalidade, no sistema romano, se justificava por razões
religiosas e práticas. Religiosas porque “os contratos só seriam abençoados
pelos deuses se seguissem os rituais adequados” (2010, p. 18). E prático em
função da pouca utilização da escrita, o que estimulava o emprego de palavras e
rituais orais para solenizar o ato.
Já a outra
espécie de convenções, o pacta, eram
celebrados sem qualquer obediência à forma, bastando o acordo de vontades
(FIÚZA, 2010, p. 18). Em contrapartida, se o devedor não cumpria a obrigação, o
credor não tinha nenhuma ação contra ele, pois se tratava de uma obrigação natural.
No entanto, com
o passar dos anos o direito romano conferiu a actio a quatro tipos de pacta:
venda, locação, mandato e sociedade. Com isso surgiu a categoria de contratos
que se formavam apenas pelo consentimento – solo
consensu – dos contratantes
A partir daí a
tendência foi a de se conferir força cada vez maior à vontade manifestada pelas
partes, em detrimento das formas, tudo para atender as necessidades de uma
sociedade marcadamente mercantil (FIÚZA, 2010 p. 21)
A dinâmica da
sociedade de consumo de massa em que vivemos exige a eliminação de obstáculos e
barreiras que possam burocratizar a celebração de contratos. Todos querem
agilidade, ainda que se tenha que abrir mão de certa segurança com isso.
Dessa forma, em
matéria de contratos, prevalece o princípio da liberdade das formas,
contemplado pelo art. 107 da codificação:
Art.
107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão
quando a lei expressamente a exigir.
Com efeito, pelo
princípio da liberdade das formas, também conhecido como princípio do
consensualismo para alguns (FIÚZA, 2010), a simples manifestação de vontade é
suficiente para a formação da grande maioria dos contratos, sendo dispensada a
realização de outras formalidades.
2.2.1.2. O Problema da Comprovação dos Contratos Verbais no
Brasil
a)
Previsões Legais
Diante do
princípio da liberdade das formas (consensualismo), a maioria dos contratos no
direito brasileiro tem a forma livre, podendo ser celebrado por qualquer meio
de manifestação de vontade, como se dá
na compra e venda de bens móveis, locação, prestação de serviço, empreitada,
comodato, mútuo, depósito etc.
A questão chega
até ser cultural, pois é difícil encontrar alguém que fez contrato escrito com
pedreiro, pintor, dentista, só para ficar com alguns exemplos, para a execução
de contratos de empreitada ou prestação de serviços.
O fato de o
contrato ter sido celebrado verbalmente não faz com que ele seja inválido, mas
pode causar transtornos no momento de se comprová-lo na hipótese de uma ação
judicial. Portanto, uma coisa é a forma exigida para um contrato, outra é a sua
prova.
É que no Brasil,
nos termos do art. 227 do CC e 401 do CPC, só se admite a prova exclusivamente
testemunhal nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior
salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.
Eis o teor dos
polêmicos dispositivos:
Art.
227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite
nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário
mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.
Art.
401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor
não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que
foram celebrados.
b)
Tese Sobre a
inconstitucionalidade dos arts. 227 do CC e 401 do CPC.
A restrição
probatória imposta por lei é vista por alguns como violação do princípio da
ampla defesa e do contraditório, pois deve-se permitir todos os meios legítimos
de prova para que o interessado possa demonstrar o seu direito.
Nesta
perspectiva, os arts. 227 do CC e 401 do CPC são inconstitucionais e não devem
ser aplicados, por ofensa à garantia constitucional da ampla defesa (art. 5º,
LV da CR/88):
Art.5º
[...]
LV
- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes;
Com efeito,
sendo a liberdade probatória um recurso inerente à ampla defesa, também entendo
ser inconstitucional a restrição imposta pelos artigos em análise.
Aliás, o
Superior Tribunal de Justiça já entendeu que é inconstitucional a regra
prevista no art. 55,§1º, da Lei 8.213/91, que veda, para a comprovação de tempo
de serviço, a prova exclusivamente testemunhal. De acordo com o relator do
acórdão, a restrição afeta a busca do direito justo:
RESP - PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA - TEMPO DE SERVIÇO – PROVA TESTEMUNHAL - A Constituição da República admite qualquer espécie de prova. Há uma restrição lógica: obtida por meio ilícito (art. 5º, LVI). Note-se: integra o rol dos Direitos e Garantias Fundamentais. Evidente a inconstitucionalidade da Lei nº 8.213/91 (art. 55, § 1º) que veda, para a comprovação de tempo de serviço, a prova exclusivamente testemunhal. A restrição afeta a busca do Direito Justo. O STJ entende em sentido contrário. Por política judiciária, ressalvando o entendimento pessoal, venho subscrevendo a tese majoritária. (REsp 177214/SP)
No caso citado,
o relator fez várias considerações sobre o revogado artigo 141 do Código Civil
de 1916, que tinha praticamente a mesma redação do atual art. 227. Em suas
próprias palavras:
“[...]
Sempre entendi, e já manifestei, em julgamentos anteriores, minhas dúvidas
quanto à constitucionalidade do então art. 141, caput, do Código Civil que limitava a eficácia da
prova exclusivamente testemunhal a contratos cujo valor não excedesse o décuplo
do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados. Esse
dispositivo reeditara roteiro da redação inicial do Código, alterando, como
fizeram, antes, outras leis, apenas o valor da avença.
A
prova testemunhal é admitida em Direito. Não pode, por isso, ainda que lei o
faça, ser excluída, notadamente quando for o único hábil a evidenciar o fato”
Na seqüência, o
relator ainda salientou que o caso envolvia um trabalhador rural (bóia fria),
que se trata de pessoa simples e não afeita à formalidade do Direito.
c)
Posição Adotada
pelo STJ em Matéria de Direito Previdenciário
Apesar disso, esta
não é a posição consolidada do STJ em matéria de direito previdenciário, pois a
Corte aplica a Súmula 149, segundo a qual: “a
prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícula,
para efeito de obtenção do benefício previdenciário”.
Um caso recente
(DJe 09/12/2014), da Primeira Turma, indica esse posicionamento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. NÃO CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Hipótese em que o Tribunal local consignou que a ora agravante não trouxe aos autos qualquer prova material que sirva como indício de exercício de atividade rural, sendo impossível a concessão do benefício pleiteado baseando-se em prova exclusivamente testemunhal. 2. É inviável analisar a tese defendida no Recurso Especial, a qual busca afastar as premissas fáticas estabelecidas pelo acórdão recorrido, pois inarredável a revisão do conjunto probatório dos autos. Aplica-se o óbice da Súmula 7/STJ.
3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 580437/SP)
d)
Posição do STJ
em matéria de Contratos
Um acórdão
proferido pela 2ª Seção do STJ, com ementa um pouco confusa, revela que o STJ
já reconheceu a possibilidade de comprovação de um contrato de corretagem por
prova exclusivamente testemunhal. Essa conclusão não pode ser extraída da
ementa do acórdão, mas sim das considerações do ministro Aldir Passarinho
Júnior:
EMENTA:
PROCESSUAL CIVIL. CORRETAGEM DE IMÓVEIS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. CABIMENTO. ART. 401 DO CÓD. PROC. CIVIL. Em interpretação edificante e evolutiva do artigo 401 do Código de Processo Civil, este Tribunal tem entendido que só não se permite a prova exclusivamente por depoimentos no que concerne à existência do contrato em si, não encontrando óbice legal, inclusive para evitar o enriquecimento sem causa, a demonstração, por testemunhas, dos fatos que envolveram os litigantes, bem como das obrigações e dos efeitos decorrentes desses fatos. Embargos rejeitados. (EREsp 263.387-PE)
VOTO DO MIN. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO
JUNIOR: Sr.
Presidente, o que a jurisprudência
passou a admitir, em uma exegese mais liberal, é que o fato decorrente, ou
seja, a prestação do serviço em si, pode ser provado mediante prova testemunhal,
que, hoje em dia, é o que ocorre, normalmente, no trabalho de corretagem; há um
contrato verbal, informal; ninguém mais assina uma proposta firme com a
corretora. E outro aspecto, no qual não havia pensado quando elaborei o voto -
o acórdão embargado é meu -, é que se admite a oralidade no contrato de
trabalho; e o contrato de corretagem, muito embora não seja um contrato de
trabalho, mas um contrato de cunho civil, representa o ganha-pão do corretor,
de modo que haveria uma perda muito grande se se interpretasse de outra forma. Limito-me
a acompanhar o eminente Ministro-Relator, pelos fundamentos do seu voto e,
ainda, pelos fundamentos do acórdão embargado, que foi de minha relatoria.
Esta posição me
parece mais coerente e harmoniosa com o princípio da ampla defesa e deve ser
mesmo aplicada nos casos concretos. Até porque, como visto acima, a forma
verbal é muito comum em contrato de trabalho; corretagem; mediação; prestação
de serviço; empreitada; contrato agrário; contrato de gado; parceria rural (STJ, 3ª T, REsp. 10.807/PI,
prestação de serviço, sociedade de fato etc.
e)
A Matéria no
Texto Base do Novo CPC Aprovado pelo Senado Federal
Com apenas
algumas alterações gramaticais, o Art. 429 do Texto Base do novo CPC, aprovado
recentemente pelo Senado Federal, praticamente repete a regra do art. 401 do
CPC/73. Em minha opinião, seria excelente oportunidade para revogar esta
disposição e alinhar o código à Constituição:
Redação do CPC (art. 401)
|
Alterações do Projeto Original em
Comparação com o CPC/73
|
Alterações do Relatório-Geral em
Comparação com o Projeto Original (Art. 429)
|
A prova exclusivamente testemunhal só
se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário
mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados.
|
A prova exclusivamente testemunhal só
se admite nos contratos cujo valor não exceda ao décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao
tempo em que foram celebrados.
|
A prova exclusivamente testemunhal só
se admite nos contratos cujo valor não exceda ao décuplo do salário mínimo,
ao tempo em que foram celebrados.
|
2.2.1.3. Contratos Formais e Solenes no Direito Brasileiro
O formalismo não
é regra no direito brasileiro, mas as exceções devem ser conhecidas, pois se o
contrato não atende à forma prescrita em lei, apresentará um defeito grave, que
conduzirá à sua nulidade (art. 166, IV) do CC/02.
a)
Terminologia
De início,
convém demonstrar a existência de divergência terminológica na doutrina. Para
certos autores, contratos formais e solenes são expressões sinônimas[1],
mas para outros[2],
contrato solene é o que exige escritura pública para a sua formação, e formais
aqueles contratos que exigem qualquer outra formalidade, como, por exemplo, a
forma escrita.
Como não há nenhuma
implicação prática da distinção, fico com os que entendem se tratar de
expressões sinônimas. Assim, contratos formais ou solenes são aqueles que
exigem certas formalidades para a sua constituição válida, desde um instrumento
escrito até a escritura pública, sem distinção.
b) Alguns Exemplos
O
exemplo de caráter geral é o do art. 108 do Código Civil:
Art. 108. Não
dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos
negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou
renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o
maior salário mínimo vigente no País.
Portanto,
na compra e venda de um imóvel de valor superior a 30 salários mínimos, ou na
constituição de uma hipoteca sobre ele, o contrato deve ser celebrado por
escritura pública. Pelas regras da parte especial do código, a doação também é
considerada um contrato solene, por exigir a forma escrita, por instrumento
público ou particular, conforme o caso:
Art. 541. A
doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.
No
entanto, doações de bens móveis de pequeno valor podem ser classificadas como
contratos informais ou não solenes, a teor do disposto no art. 541, p. único:
Parágrafo único.
A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor,
se lhe seguir incontinenti a tradição.
Esta
espécie de doação, que tem por objeto bens móveis e de pequeno valor, seguida
da imediata tradição da coisa, é conhecida como doação manual.
Não há um critério previsto
para se determinar se o bem é ou não de pequeno valor. No direito penal, por
exemplo, a concessão do privilégio previsto no art. 155,§2º[3]depende,
dentre outros requisitos, que o bem seja considerado de pequeno valor. No caso,
a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que o bem de pequeno valor
é aquele que for inferior ao valor do salário mínimo[4].
Mas este critério não é
recomendável que seja aplicado ao direito civil, para determinar se uma doação
pode ou não assumir a forma verbal. Neste aspecto, entendo que razão está com
Washington de Barros Monteiro, segundo o qual se deve ter em conta a fortuna do
doador, afinal, aquilo que é de pequeno valor para uns pode ser valioso para
outros.
A doação manual já foi
discutida num interessante caso decidido pelo STJ. Um dono de uma casa de
câmbio namorou uma advogada militante entre o final de 1992 e meados de 1994.
Neste período, o namorado, pessoa abastada, deu inúmeros presentes, inclusive
um vestido de R$ 2.000,00 à namorada. Além disso, ele também deu à ela um
veículo Mitubishi Pajero e fazia periodicamente depósitos em dinheiro na conta
dela. Ao término do relacionados aconteceu o que todos sabem: “de meu bem pra
cá e meu bem pra lá passou a meus bens pra cá e seus bens pra lá”. Então o ex-namorado,
dono da casa de câmbio, propôs ação pedindo a devolução dos valores
depositados, que ao todo somavam quarenta mil reais, afirmando tratar-se de
contrato de mútuo. No entanto, pelas provas produzidas no processo, ficou
entendido que mútuo não se tratava, mas sim de doação. E o interessante é que,
mesmo as quantias e os bens de pequeno valor dispensaram a forma escrita para
valerem como doação. Sendo assim, a ementa do acórdão foi elaborada nos
seguintes termos:
Direito Civil e Processual Civil. Doação à namorada. Empréstimo. Matéria de prova. I - O pequeno valor a que se refere o art. 1.168 do Código Civil há de ser considerado em relação à fortuna do doador; se se trata de pessoa abastada, mesmo as coisas de valor elevado podem ser doadas mediante simples doação manual (Washington de Barros Monteiro).II - No caso, o acórdão recorrido decidiu a lide à luz da matéria probatória, cujo reexame é incabível no âmbito do recurso especial. III - Recurso especial não conhecido. (REsp 155.240-RJ)
Particularmente concordo
que o critério para se definir o que é bem de pequeno valor não pode ser
objetivo (um salário, trinta salários etc), mas o que se deve analisar é a
situação econômica do doador. Não é outro o posicionamento de Caio Mario:
Não tendo a lei instituído o critério estimativo, deixa sua fixação na
decorrência das circunstâncias, e em razão das posses do doador,17 pois é certo que um
mesmo objeto que para uma pessoa de elevados recursos representa valor
reduzido, para outra de pequena resistência econômica alcança as proporções do
inatingível.[5]
Por
fim, outro contrato formal que deve ser lembrado é a fiança que, nos termos do
art. 819, primeira parte, deve ser celebrado por escrito:
Art. 819. A
fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.
2.2.2.
Objeto
Por fim, o
último requisito de validade a ser examinado é o objeto, que deve ser lícito,
possível, determinado ou determinável.
2.2.2.1. Licitude do Objeto
Segundo Carlos
Roberto Gonçalves, “objeto lícito é o que não atenta contra a lei, a moral ou
os bons costumes” (GONÇALVES, 2012, p. 37).
Deste conceito eu excluiria apenas a expressão “bons costumes”, que está
totalmente ultrapassada numa sociedade plural como a nossa, mas fica a reflexão
quanto aos limites morais do objeto.
No livro “O que
o Dinheiro Não Compra”, Michael J. Sandel cita uma série de exemplos de
contratos que apresentam conteúdo ou objeto imoral, permitindo a reflexão sobre
o que pode ou não se objeto de um contrato.
Segundo Sandel,
hoje quase tudo está à venda. Eis alguns dos exemplos citados pelo autor no
capítulo introdutório:
è
Barriga
de aluguel indiana? US$ 6.250. Os casais ocidentais em busca de uma mãe de
aluguel recorrem cada vez mais à terceirização na Índia, onde a prática é legal
e o preço corresponde a menos de um terço das taxas em vigor nos Estados
Unidos.
è
Matrícula
do seu filho numa universidade de prestígio? Embora o preço não seja divulgado,
funcionários de certas universidades de primeira linha disseram ao Wall Street
Jornal que aceitam alunos não propriamente brilhantes cujos pais sejam ricos e
suscetíveis de fazer doações financeiras substanciais.
è
Combater
na Somália ou no Afeganistão num contingente militar privado: US$ por mês a US$
1.000 por dia. O pagamento varia de acordo com a qualificação, a experiência e
a nacionalidade.
è
Comprar
a apólice de seguro de uma pessoa idosa ou doente, pagar os prêmios anuais
enquanto ela está viva e receber a indenização quando morrer: potencialmente,
milhões de dólares (dependendo da apólice). Esse tipo de aposta na vida de
estranhos transformou-se numa indústria de US$ 30 bilhões. Quanto mais cedo o
estranho morrer, mais o investidor ganhará. (SANDEL, 2012, p. 9, 10 e 12)
Esses poucos
exemplos citados revelam que contratos de compra e venda, locação, doação,
prestação de serviço, seguro, jogo e aposta, dentre outros, são celebrados pelo
mundo, mas com objetos imorais.
2.2.2.2. Possibilidade do Objeto
Para atender
este requisito, o objeto deve ser possível, tanto sobre o prisma físico e
natural, como sobre o aspecto jurídico.
a)
Impossibilidade
Física ou Natural
É o tipo de
impossibilidade que emana das leis físicas ou naturais, que não pode ser
cumpridas por qualquer pessoa. Exemplo: venda de lotes no sol (FIÚZA, 2010, p.
28), a que fixa obrigação de tocar a lua com a ponta dos dedos, sem tirar os
pés da terra (GONÇALVES, 2012, p. 38). O objeto não é ilícito, mas irrealizável
sob o ponto de vista fático.
b)
Impossibilidade
Jurídica
Carlos Roberto
Gonçalves (2012) aponta como exemplo de impossibilidade jurídica a regra do
art. 426 do Código Civil.
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de
pessoa viva.
Um contrato que
tenha a herança de alguém como objeto é chamado de pacta corvina, isso em referência aos corvos, animais que se
alimentam de seres mortos em decomposição, e que por esta razão ficam à
espreita da morte.
Neste sentido, os contratantes seriam corvos
à espera da morte daquele que detém o patrimônio que lhes será transmitido.
Para ilustrar, o
STJ julgou um caso em que, numa ação de separação judicial consensual, os
ex-cônjuges ajustaram que a mulher ficaria com o único imóvel do casal para si,
mas, para pagamento da meação do ex-marido, ela receberia um terreno de
propriedade dos pais, a título de doação, e depois os transferiria, a mesmo
título, ao ex-cônjuge.
O STJ entendeu
que a partilha, mesmo feita em processo judicial de separação, é nula porque
teve por objeto herança de pessoa viva.
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE PARTILHA DE BENS. SEPARAÇÃO AMIGÁVEL. PARTILHA QUE ATRIBUI AO CÔNJUGE VARÃO IMÓVEL DE PROPRIEDADE DOS PAIS DA CÔNJUGE VAROA, AINDA VIVOS, COMO SUCESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS OU SOB A FORMA DE DOAÇÃO. OBJETO IMPOSSÍVEL. NULIDADE. CC, ARTS. 145, II E 1.089. I. Revela-se nula a partilha de bens realizada em processo de separação amigável que atribui ao cônjuge varão promessa de transferência de direitos sucessórios ou doação sobre imóvel pertencente a terceiros, seja por impossível o objeto, seja por vedado contrato sobre herança de pessoas vivas. II. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 300143/SP)
Mas é preciso
ter uma atenção redobrada porque existe uma exceção à regra da vedação ao pacta corvina, previsto no próprio
Código Civil. A exceção está no art. 2.018 que dispõe ser válida a partilha
feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que
não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.
O pacto
sucessório também pode ser colocado como exemplo de objeto ilícito por ofensa à
moral, já que ele “gera um clima de expectativa de óbito entre os herdeiros
que, como corvos, aguardam por este momento” (CHAVES; ROSENVALD, 2011, p. 494)
Outro exemplo de
impossibilidade jurídica, é a venda de bens públicos comuns e especiais:
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros
são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares,
estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou
terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal,
estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das
pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real,
de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário,
consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito
público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os
de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na
forma que a lei determinar.
2.2.2.3. Determinação do Objeto
Por fim, o
objeto do contrato deve ser determinado, no sentido poder ser identificado pelo
gênero, quantidade e qualidade. Essa perfeita identificação, que torna certo o
objeto do contrato, não precisa ocorrer no momento da conclusão do negócio.
Assim, basta que o objeto seja definido pelo gênero, pois nos contratos
sujeitos a risco (aleatórios), o objeto sequer pode vir a existir, e mesmo
assim persistir a obrigação do outro contratante.
E como explica
César Fiúza: “Não se pode celebrar um contrato cujo objeto seja ‘vender grãos’.
Ora, que grãos? Milho? Feijão? Em que Quantidade? Qual deverá ser a Qualidade
desses grãos” Tudo isso teem que ser determinado no momento da celebração ou,
quando nada, o contrato deve conter elementos que possibilitem a determinação,
quando de sua execução” (FIÚZA, 2010, p. 29)
[1] Neste sentido, César Fiúza
(2010, p. 137); Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 108); Pablo Stolze Gagliano
e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 173); Marcos Bernardes de Mello, Nelson
Rosenvald e Cristiano de Farias Chaves (2011, p. 281)
[2] Neste sentido, Silvio de Salvo
Venosa e Flávio Tartuce (2014, p. 36)
[3] Art. 155 - Subtrair, para si ou
para outrem, coisa alheia móvel:
[...]
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno
valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de
detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
[4] HC 286680/RJ.
[5] PEREIRA, Caio Mário
Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. III - Contratos, 18ª edição.
Forense, 03/2014. VitalBook file.
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