VÍCIOS
REDIBITÓRIOS
1.
Conceito e
Fundamento
É o vício oculto
que acomete a coisa transferida em contrato comutativo, tornando-a imprópria ao
fim a que se destina ou reduzindo seu valor.
Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato
comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem
imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.
Parágrafo único. É aplicável a disposição deste
artigo às doações onerosas.
Esta garantia terá aplicação, por exemplo, quando “Simplício,
ao comprar um relógio de cobra da marca Scubix, ignora que ele é portador de um
defeito oculto – uma conexão equivocada de suas engrenagens, v.g – que prejudica
a sua utilização” (GAGLIANO; FILHO, 2012, p. 230)
A origem do instituto remonta à Grécia antiga e ao direito
romano na venda de escravos e mercadorias, pois o vendedor era obrigado a
declarar os defeitos ocultos da coisa e tornar-se responsável pelos não
declarados. O campo de incidência dos vícios redibitórios são os contratos comutativos, nos quais há um
conhecimento prévio das prestações recíprocas, com relativo equilíbrio entre prestação e contraprestação.
A teoria dos vícios redibitórios amolda-se de uma maneira
geral a contratos que operam a transmissão da propriedade, como a compra e
venda e a permuta, assim como nas demais modalidades de extinção das
obrigações, como a dação e a pagamento, verificando-se, ainda, no contrato de
sociedade, quando um sócio integraliza o capital social com bens.
Trata-se de um dos principais efeitos dos contratos e decorre
do princípio da garantia. O alienante, ao transmitir a propriedade do bem, deve
garantir a utilidade da coisa contra vícios ocultos e também contra a perda do
bem por um fato superveniente (evicção).
2.
Fundamento (Princípio da Garantia)
Os vícios redibitórios fundam-se no princípio da garantia. Neste
sentido, o magistério de Caio Mario da Silva Pereira, citado por Arnaldo
Rizzardo:
O princípio da garantia constitui, pois, o
fundamento da invocação dos vícios redibitórios, como analisa Caio Mario da
Silva Pereira: “....O seu fundamento é o princípio da garantia, sem a
intromissão de fatores exógenos, de ordem psicológica ou moral. O adquirente, sujeito a uma contraprestação, tem direito
à utilidade natural da coisa, e, se ela lhe falta, precisa de estar garantido
contra o alienante, para a hipótese de lhe ser entregue a coisa a que faltem
qualidades essenciais de prestabildiade. (PEREIRA apud RIZZARDO, 2013)
O adquirente tem direito à utilidade natural da coisa. Neste aspecto, tanto os vícios
redibitórios como a evicção (instituto que será estudado no próximo tópico)
extraem seu fundamento do princípio da
garantia. Só que, no primeiro caso, a garantia é do uso normal da coisa, enquanto que na evicção a garantia é contra a perda jurídica do bem.
O alienante não se libera de sua obrigação com a transmissão
da coisa, devendo garantir a sua substância
e sua idoneidade jurídica. Para Cristiano Farias e Nelson Rosenvald (2015),
o vício redibitório determina a quebra do sinalagma genético, pois as
prestações nascem desequilibradas, desde o momento da formação do contrato.
3.
Requisitos
3.1. Coisa Móvel ou Imóvel
O
vício oculto é aquele que recai em bens móveis ou imóveis, objeto de contrato comutativo ou doação onerosa. Não se confunde
com o erro, que é vício de
consentimento, e que pode conduzir à anulabilidade
do contrato.
O
erro é um vício eminentemente subjetivo. Compro um relógio folheado a ouro, na
crença de que ele realmente é de ouro. No vício redibitório eu compro o relógio
folheado, sabendo que o é, mas ele apresenta um defeito (oculto) que o impede de funcionar.
A
diferença entre erro e vício redibitório foi abordada no precedente abaixo, da
lavra do STJ:
O equívoco inerente ao vício redibitório não se
confunde com o erro substancial, vício de consentimento previsto na Parte Geral
do Código Civil, tido como defeito dos atos negociais. O legislador tratou o
vício redibitório de forma especial, projetando inclusive efeitos diferentes
daqueles previstos para o erro substancial. O vício redibitório, da forma como sistematizado pelo CC/16, cujas regras
foram mantidas pelo CC/02, atinge a
própria coisa,
objetivamente
considerada, e não a psique do agente. O erro substancial, por sua vez, alcança a
vontade do contratante, operando subjetivamente em sua esfera mental. - O
art. 1.138 do CC/16, cuja redação foi integralmente mantida pelo art. 503 do
CC/02, deve ser interpretado com temperamento, sempre tendo em vista a
necessidade de se verificar o reflexo que o defeito verificado em uma ou mais
coisas singulares tem no negócio envolvendo a venda de coisas compostas,
coletivas ou de universalidades de fato. Recurso especial a que se nega
provimento. (STJ, REsp 991.317/MG)
3.2. Contrato comutativo ou Doação Onerosa
A garantia não é
específica da compra e venda, mas se estendem a todos os contratos comutativos
que envolvam a transferência de bens (...) Existe, por conseguinte, nos
contratos de permuta, sociedade, doação onerosa e na dação em pagamento.
(RIZZARDO, 2013, p. 160)
Por outro lado,
a garantia não se aplica aos contratos unilaterais e aleatórios, mas
se aplica às doações onerosas (441,
p. único).
A doação pura e
simples é modalidade de contrato unilateral e gratuito, pelo qual apenas o
doador tem obrigações, por assumir um desfalque do patrimônio sem o
correspondente acréscimo patrimonial. Assim, para evitar um agravamento ainda
maior da situação do doador, não se aplicam à doação pura a teoria dos vícios
redibitórios, da evicção e os juros de mora. (FARIAS; ROSENVALD, 2015)
No entanto, os
vícios redibitórios se aplicam às chamadas doações onerosas, que tem como uma
de suas espécies a doação com encargo (doação modal). A garantia também é
incompatível com os contratos aleatórios, pois a incerteza quanto à
exigibilidade da prestação impede a discussão quanto aos defeitos da coisa.
3.2.1.
Alienações em
Hastas Públicas e Leilões Extrajudiciais
Mas esta
garantia prevalece em alienações em
hastas públicas?
O
código civil é omisso em relação a esta pergunta. No entanto, estabelece
expressamente que a garantia da evicção
subsiste mesmo nas alienações em hasta pública (art. 447). Com efeito, para Cristiano Farias e Nelson Rosenvald, a mesma regra não
se aplica aos vícios redibitórios.
Segundo
esses autores, a alienação em hasta pública se distingue da compra e venda
porque naquela a transmissão do bem ocorre de maneira forçada. Trata-se de expropriação
judicial de um bem do devedor para a satisfação de um direito de crédito do
credor. Dessa forma, não há consenso como ocorre no contrato de compra e venda.
Assim,
por se tratarem de situações distintas, o arrematante poderia, com base no
princípio que veda o enriquecimento sem causa, pleitear do devedor todos os
valores que gastou para adquirir a coisa, mas não com base nos vícios
redibitórios.
Caio
Mario da Silva Pereira sustenta o mesmo ponto de vista dos mencionados autores,
ao dizer que:
Também não cabe responsabilidade se a coisa
for alienada em hasta pública, não só porque a sua exposição prévia
possibilitaria minucioso exame, como
ainda pelo fato de ser forçada, em
processo judicial, em que se realiza por autoridade da justiça. Aliás, é de
esclarecer que por venda em hasta pública deve entender-se a que se faça compulsoriamente (penhora em ação
executiva, venda por determinação judicial em inventário, venda de bens de
órfãos etc.), pois que, se o interessado livremente escolheu o leilão para a
alienação, subsistirá a garantia. (PEREIRA, 2013)
Em
sentido contrário, e com o qual se concorda, Arnaldo Rizzardo explica que a
impossibilidade da ação redibitória em hasta pública era uma realidade do
Código Civil de 1916, como previa o art. 1.106. No entanto, como a disposição
foi excluída do atual diploma, sejam judiciais ou não as vendas, mantém-se a garantia contra os vícios
redibitórios. (2013, p. 164)
Com
este mesmo entendimento está o autor Carlos Roberto Gonçalves:
Esse dispositivo
não foi reproduzido no Código Civil de 2002. Por conseguinte, poderá o
adquirente lesado, em qualquer caso,
mesmo no de venda feita compulsoriamente por autoridade da justiça, propor
tanto a ação redibitória como a quanti
minoris, se a coisa arrematada contiver vícios redibitório. Não prevalece mais, pois, a hipótese excepcionada no diploma
anterior como exclusão de direito. (GONÇALVES, 2012, p. 140)
A
mesma divergência já não existe se a alienação foi realizada em leilões extrajudiciais. Neste caso não
se está promovendo uma execução forçada, como na venda judicial em leilão ou
hasta pública. E por estar centrada na vontade das partes, não há como excluir
o adquirente da garantia contra os defeitos ocultos da coisa.
Neste
sentido, confira o REsp 187.305/RS, julgado pelo STJ em 2-5-2000:
VENDA DE COISA MÓVEL PROMOVIDA POR ENTIDADE PRIVADA SOB A MODALIDADE DE LEILÃO. ART. 1.106 DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE. - Não se tratando de hasta pública, mas sim de venda de bens móveis particulares (retomados de arrendatários inadimplentes) promovida por entidade privada, não se aplica o disposto no art. 1.106 do Código Civil. Recurso especial não conhecido.
3.3. Defeito Oculto
Defeitos
aparentes ou ostensivos, assim considerados aqueles de fácil e imediata
constatação, não estão abrangidos na
garantia, pois demonstram que o adquirente agiu com negligência na
verificação, ou que assumiu o risco
do negócio. Sendo assim, o “principal aspecto a ser considerado é,
precisamente, portanto, o fato de este vício ser oculto, recôndito, ou seja, não
aparente” (GAGLIANO; FILHO, 2012, p. 229)
A este respeito,
o TJMG já entendeu até que o impedimento judicial lançado no prontuário do
veículo não pode ser considerado um vício redibitório para permitir a resolução
do contrato. No acórdão proferido nos autos do processo nº 1.0024.09.514141-2/001, o Tribunal mineiro proferiu a seguinte decisão:
AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL
C/C PERDAS E DANOS. VÍCIO REDIBITÓRIO. IMPEDIMENTO JUDICIAL. EXTINÇÃO DO FEITO.
CARÊNCIA DE AÇÃO. APLICAÇÃO ART. 515, §3º DO CPC. 1. A inexistência de prova da
efetiva existência do vício redibitório não conduz à extinção do feito, nem por
ilegitimidade ativa e nem por ausência de interesse de agir, merecendo reforma
o provimento jurisdicional proferido. 2. Considerando que o feito encontra-se
devidamente instruído e que a hipótese dos autos enquadra-se literalmente no
disposto no art. 515, §3º do CPC, é possível a apreciação dos pedidos iniciais,
desde logo, pelo Tribunal. 3. Os vícios
redibitórios, conforme previsto no art. 441 do Código Civil, são defeitos ocultos existentes na coisa
recebida em decorrência de contrato comutativo firmado entre as partes, que
tornam a coisa adquirida imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuam o
valor. 4. O impedimento judicial não
é um vício redibitório na medida em que consta expressamente do prontuário do
veículo. A informação encontra-se disponível de todos, bastando a simples
consulta junto ao site do DETRAN. Além disso, o referido impedimento foi
lançado no prontuário do veículo muito tempo depois do contrato ter sido firmado entre as partes.
O vício também
deve ser grave a ponto de tornar a
coisa imprópria ao fim a que se
destina ou lhe reduzir consideravelmente
o valor. Assim, se alguém compra uma geladeira com um motor que não
funciona, teria um vício grave e que poderia ser invocado como vício
redibitório. Agora se a geladeira tem um pequeno problema acarretado pela
demora no tempo de congelamento dos produtos, o comprador deverá efetivar os
reparos e pedir o reembolso.
3.4. Vício Pré-Existentes (444)
Ficar
atento com essa importante informação. O Vício deve anteceder a efetiva
tradição, pois a entrega é o momento em que o adquirente fará uma inspeção
geral no objeto. A prova da anterioridade do vício incumbe ao alienante; se ele
não se desincumbir do ônus, haverá presunção de que o vício decorreu de mau uso
do bem após a sua tradição.
3.5. Elementos/Requisitos Necessários em Síntese
A
partir do que foi dito, tem-se que os requisitos ou elementos caracterizadores
dos vícios redibitórios podem ser reunidos na feliz síntese apresentada por
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 230)
a)
A
existência de um contrato comutativo (translativo da posse e da propriedade da
coisa)
b)
Um
defeito oculto existente no momento da tradição;
c)
A
diminuição do valor econômico ou prejuízo à adequada utilização da coisa.
4.
Exclusão
Negocial da Garantia
Quanto
à possibilidade das partes estipularem livremente a exclusão da garantia pelos
vícios redibitórios, também se observa certa divergência doutrinária, embora
prevaleça o entendimento de que é sim possível a exclusão, redução ou ampliação
da garantia.
Vejamos,
por exemplo, a posição de Cristiano Farias e Nelson Rosenvald:
Nas relações
privadas os contratantes poderão estipular cláusula de exclusão de
responsabilidade por vícios redibitórios. As normas dispositivas do Código
Civil sofrerão mitigação apenas em contratos de adesão interprivados, passíveis
de controle de conteúdo como forma de proteção do aderente não consumidor. Será
sancionada pela nulidade a cláusula que estipule renúncia antecipada do
aderente à garantia pelo vício redibitório, como direito resultante da própria
natureza do negócio jurídico. (2015, p. 479)
Em
sentido contrário, César Fiuza afirma que “nem o Código Civil nem o Código do
Consumidor permitem a existência de cláusula que exima o alienante de boa fé da
responsabilidade” (2010, p. 126)
Acredito
que a razão está com os primeiros porque, no sistema do Código Civil, é possível
sim a exclusão da garantia. Ora, o próprio sistema já exclui a proteção dos
vícios aparentes, deixando claro, com isso, que o próprio adquirente é livre
para renunciá-los. E mesmo quanto aos vícios ocultos, a fixação de prazos decadenciais,
revela que a decisão cabe em última análise ao adquirente, que é o verdadeiro
interessado.
Ou
seja, estamos tratando de direitos patrimoniais disponíveis em relação
simétricas (com certa paridade). Portanto, é válida a cláusula de exclusão de
garantia no sistema do Código Civil. Tal disposição só não tem validade nos
contratos de adesão, pois implicaria renúncia antecipada a direito do aderente
(art. 424) ou nos contratos de consumo, como será abordado adiante.
5.
Efeitos
Preenchidos
os requisitos legais, o adquirente poderá exercer a opção entre a redibição do contrato ou ao abatimento do preço. A ação redibitória
e a estimatória (quanti minoris)
integram as chamadas ações edilícias, que foram assim chamadas porque foram
regulamentadas, no direito romano, por volta do século II a.c, pelas aediles curules, com o objetivo de
evitar fraudes praticadas pelos vendedores no mercado romano. (TARTUCE, 2013)
O desconhecimento
do vício exime o alienante de responsabilidade? Não, mas pode influir no valor
da indenização. Se ele não tinha
ciência, tem que devolver o valor recebido, mais as despesas do contrato. Se
ele tinha a ciência, devolve o valor recebido com perdas e danos.
6.
A Sistemática
dos Prazos
6.1. Análise por Caso
O
direito potestativo do adquirente de se valer das ações edilícias nos vícios
redibitórios está sujeito a prazos
decadenciais que variam conforme a situação fática. Assim, para efeito de fixação e contagem do
termo inicial do prazo, interessa saber se o adquirente estava ou não com a
posse do bem, antes da alienação. Se o vício é de uma espécie que, pela sua
natureza, só poderia ser conhecido mais tarde.
Para
facilitar a análise, a sistemática dos prazos pode ser dividida em quatro casos, conforme se segue:
a)
1º Caso. Se o Adquirente
não estava na posse do bem antes da alienação.
Natureza do bem
|
Prazo
|
Contagem
|
Móvel
|
30 dias
|
Entrega efetiva
|
Imóvel
|
1 ano
|
Entrega efetiva
|
b)
2º Caso: se o
adquirente já estava na posse (art. 445, final)
Natureza do bem
|
Prazo
|
Contagem
|
Móvel
|
15 dias
|
Alienação
|
Imóvel
|
6 meses
|
Alienação
|
Para ilustrar
esta segunda situação, basta imaginar o exemplo de um locatário de um bem
imóvel que, antes de comprá-lo, já morava no imóvel. A redução pela metade se
justifica porque o locatário, por já ter se investido na posse do imóvel antes
da aquisição, teria tempo suficiente para fazer uma inspeção mais detalhada no
bem.
Um exemplo
parecido é apresentado por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:
Imagine-se
que Juca estivesse na posse de uma fazenda, pertencente a Chico, há 2 anos, na
qualidade de arrendatário. Resolve, então, comprá-la. Ora, em tal caso, se vier
a perceber a existência de vício
redibitório (defeito oculto), terá o prazo de um ano, reduzido à metade (6 meses,
portanto), a contar da data do registro do título de transferência no
cartório de imóveis (data da alienação formal) para propor a ação edilícia. O
mesmo raciocínio se aplica, se se tratar de bens móveis, operando-se, todavia,
a redução do prazo de 30 para 15 dias.
Advirta-se,
contudo, que essa regra da posse anterior nem sempre seria justa, em um caso
concreto. Imaginemos o exemplo de alguém que ficou apenas um dia com a posse do
bem móvel ou imóvel. Em situações como esta, caberia ao prejudicado demonstrar
que, apesar de estar com a posse anterior, não teve tempo suficiente para
inspecionar o bem que acabou comprando.
c)
3º caso: vícios
que, por sua natureza, só podem ser conhecidos mais tarde (art. 445,§1º)
Natureza do bem
|
Prazo
|
Contagem
|
Móvel
|
180
|
Ciência
|
Imóvel
|
1 ano
|
Ciência
|
Como
compatibilizar a regra do §1º com a do caput do art. 445? A garantia é
perpétua? Pela regra do §1º, alguém poderia dizer que a garantia é perpétua. No
entanto, a jurisprudência pacificou o entendimento de que os prazos desse
dispositivo revelam o limite temporal de exteriorização do vício.
Neste sentido,
dispõe o Enunciado 174 do CJF:
174 – Art. 445: Em se
tratando de vício oculto, o adquirente tem os prazos do caput do art.
445 para obter redibição ou abatimento de preço, desde que os vícios se revelem
nos prazos estabelecidos no parágrafo primeiro, fluindo, entretanto, a partir
do conhecimento do defeito.
Diante
deste enunciado doutrinário, pode-se afirmar que o prazo do art. 445,§1º é um prazo de exteriorização da garantia,
pois os vícios deveriam se revelar
dentro dos 180 dias, ou um ano, conforme o caso, para, a partir do conhecimento
do vício, o interessado propor alguma das ações edilícias dentro dos prazos
previstos no caput do art. 445, caput.
d)
Caso dos
Semoventes (445,§2º)
Como advertem
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, “em se tratando de venda de animais, o
§2º do art. 445 do CC prevê que os prazos de garantia serão os estabelecidos em
lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no
parágrafo antecedente, se não houve regra disciplinando a matéria.” (2012, p.
238)
Como se vê,
relativamente aos semoventes, o Código Civil aparece como norma supletiva. A
fonte normativa primária é a lei especial e, na falta desta, os usos e costumes
(costumes secundum legem). Só em
último caso deve-se recorrer aos prazos da codificação.
6.2. Coexistência dos Prazos Convencionais e Legais
Ainda dentro da
análise dos prazos decadenciais das ações edilícias, é preciso examinar como
fica a fluência do prazo estabelecido por lei (art. 445) se as partes
estipularem um prazo convencional para o contrato.
Para tanto, pensemos
no exemplo em que o vendedor A concedeu ao comprador B de uma geladeira um prazo
convencional de um ano pelos defeitos ocultos.
A pergunta que
se pode fazer é: o prazo legal é excluído pela prazo convencional ou a ele se
soma, complementando-o? Na verdade há uma soma ou complementação de prazos,
pois um não exclui o outro. Isso acontece porque o prazo convencional obsta a
fluência do prazo legal, que inicia sua contagem após o término da garantia
contratual.
Em termos
técnicos, a estipulação de um prazo contratual funciona como causa impeditiva
do prazo decadencial legal. Por isso os prazos se somam, em benefício do
adquirente/comprador.
Em abono às
minhas palavras, advertem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo P. Filho: “Em tal
circunstância, enquanto estiver em curso o prazo de garantia convencional, a
garantia legal estará sobrestada, paralisada, ou seja, não correrá o prazo
decadencial algum em desfavor do adquirente.”
No entanto, se
por acaso o adquirente tomar conhecimento do defeito no curso do prazo convencional,
deverá, em atenção ao princípio da boa fé objetiva, denunciar o defeito ao
alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de
decadência. (art. 446)
7.
Vícios Por
Inadequação de Produtos e Serviços no CDC (art. 18 a 26)
O primeiro ponto
a se assinalar, na disciplina do Código de Defesa do Consumidor, acerca dos
defeitos de produto ou serviço é o seu regime
protetivo mais amplo e objetivo (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 475).
Nas relações de
consumo, o fundamento é retirado da teoria da qualidade, que impõe ao
fornecedor de produtos e serviços um dever anexo de qualidade para que os
produtos atendam as legítimas expectativas dos consumidores.
Vícios do
produto são defeitos de quantidade ou qualidade que desvalorizam ou inutilizam
bens de consumo duráveis ou não duráveis. Devido aos objetivos do curso, o
estudo ficará restrito aos vícios de qualidade que afetam os bens de consumo
(duráveis e não duráveis).
A maior amplitude
e proteção conferido pelo sistema do CDC fica bem nítido quando comparado com o
sistema intercivil e empresarial, regido pelo Código Civil.
Faremos,
portanto, uma análise comparativa para estabelecer as principais diferenças.
7.1. Gravidade do Vício
Como dito
anteriormente, o defeito oculto existente em objeto de contrato comutativo, no
sistema do código civil, tem que ser grave a ponto de tornar o produto
impróprio ao uso a que se destina ou reduzir significativamente o valor. É o
exemplo da geladeira: se ela apresenta defeito no motor, torna-a imprópria ao
consumo, e autoriza a sua devolução ou o abatimento proporcional no preço.
Agora, se o defeito for num sistema de refrigeração, que leva maior tempo para
atingir uma certa temperatura, aí o problema se resolveria na reparação civil,
pois o comprador teria que reembolsar os valores gastos pelo adquirente para o
conserto do bem.
No sistema do
CDC a proteção vai mais além. Observe a redação do art. 18:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo
duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou
quantidade que os tornem impróprios
ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor,
assim como por aqueles decorrentes da disparidade,
com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem
publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o
consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
Assim, pelo
sistema do CDC, se o produto não atende às suas expectativas, geradas pela
disparidade de informações, são considerados impróprios ou inadequados. Por
exemplo: se a concessionária me garantiu que o veículo consumia 14 km/litro,
mas ele só faz 12, posso exigir meu dinheiro de volta.
No mesmo
sentido, se compro uma máquina copiadora que, pela informação que ela traz na
embalagem, reproduz duas vezes mais rápido que as concorrentes, mas não atinge
essa eficiência, também poderia pedir a devolução dos valores pagos.
7.2. O Sistema do CDC Alcança Qualquer tipo de Contrato.
Superando
novamente o sistema do Código Civil, que somente leva em consideração os
defeitos ocultos existentes em objeto de contratos comutativos e onerosos, o
sistema do CDC alcança qualquer contrato, inclusive contratos de transporte,
prestações de serviços (pintura de uma casa), uma intervenção cirúrgica. É
comum o exemplo de pessoas que se submeteram à lipoaspirações e poucos meses
depois retornaram ao peso anterior, mesmo seguindo a dieta prescrita pelos
médicos.
7.3. O Sistema do CDC Protege tanto os vícios ocultos
como os Aparentes
Em virtude da
reconhecida vulnerabilidade do consumidor, o sistema também o protege contra
vícios aparentes. A diferença, como se verá, está no termo inicial da contagem
do prazo decadencial, que flui a partir da entrega efetiva do produto ou
serviço.
7.4. Ações Edilícias e as Alternativas do Art. 18 do CDC.
Nas relações
civis e interempresariais, a presença do defeito oculto autoriza o ajuizamento
da ação redibitória ou estimatória. No entanto, a proteção do CDC é mais densa,
porque, a essas possibilidades, ele acrescenta a opção do consumidor exigir a
substituição de um produto pelo outro.
A troca do
produto viciado por outro em perfeitas condições é, portanto, um direito
potestativo do consumidor, como anota um elucidativo julgado do STJ:
“[...] 3. Assim, a faculdade assegurada no § 1º do art. 18 do Estatuto Consumerista permite que o consumidor opte pela substituição do produto no caso de um dos vícios de qualidade previstos no caput do mesmo dispositivo, entre eles o que diminui o valor do bem, não exigindo que o vício apresentado impeça o uso do produto. 4. No presente caso, a substituição do veículo por outro em perfeitas condições de uso foi a alternativa escolhida pelo consumidor. Então, não poderia o Juízo de piso alterar essa escolha, ainda que a pretexto de desonerar o consumidor, sob pena de maltrato ao art. 18, § 1º, do CDC. Precedente.” (STJ, REsp. 1.016.519/PR)
Apesar, porém,
do nítido tratamento mais protetivo do CDC, o consumidor deve, antes de exigir
algumas das opções do art. 18, levar o produto à assistência técnica, para que
o fornecedor possa sanar o vício, se for possível.
Com efeito, a
assistência técnica é um dos poucos direitos reservados ao fornecedor de produtos
e serviços no CDC. A regra é, portanto, encaminhar para a assistência para que
o problema seja resolvido em trinta dias. Esse prazo da assistência técnica
pode, a critério das partes, ser reduzido para sete ou ampliado para 180. Nos
contratos de consumo por adesão, essa cláusula que reduz ou amplia o prazo da
assistência, deve ser estipulado em documento à parte, para deixar a informação
mais clara para o consumidor.
Essa exigência,
você pode notar, não é feita no sistema de contratos paritários regido pelo
CC/02.
Seja como for,
em se tratando de vícios que possam comprometer a qualidade ou características
do produto, ou reduzir-lhe o valor, ou ainda, em se tratando de produtos
essenciais, o consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas
mencionadas, mas isso em caráter excepcional.
7.5. Cláusula de Exclusão da Garantia
Retomando o
assunto da cláusula excludente de garantia, tratada no tópico 4 supra, ela é
nula nas relações de consumo. O fundamento maior é o de que as partes estão em
uma posição de assimetria, estando o consumidor em posição de vulnerabilidade.
O que não faltam são disposições legais que podem ser invocadas para alegar a
nulidade de uma cláusula que exonere o fornecedor dos vícios dos produtos e
serviços: (art. 1º, que define o CDC como norma de ordem pública; art. 24, 25 e
51, I, todos do CDC).
7.6. Cadeia de Solidariedade
O consumidor também
tem mais garantias em relação à cadeia de coobrigados que responderão pelos
vícios. Na verdade todos os integrantes da cadeia de consumo respondem
solidariamente. Assim, se compro um veículo em concessionária da GM, posso
exigir meus direitos contra a fabricante ou contra a concessionária que me
vendeu o carro. Isso não ocorre nas relações civis e interempresariais, pois os
proprietários primitivos estão imunizados (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 480).
7.7. Má Fé do Fornecedor
Nos contratos
paritários, como visto, o adquirente poderá exigir perdas e danos do alienante
que tiver agido com má fé. Nas relações de consumo, o debate sobre a boa ou má
fé não tem relevância, pois o consumidor só poderá exigir a reparação dos
prejuízos se suportar um dano indenizável.
7.8. Ônus da Prova.
Outra diferença
que pode ser extraída a partir de uma comparação entre os dois sistemas, é o de
que, enquanto nas relações paritárias o ônus de comprovar que o vício é
anterior à tradição é do adquirente. Nas relações de consumo, o consumidor pode
conseguir a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII) e transferir para o
fornecedor o ônus de comprovar alguma das hipóteses de exclusão de sua
responsabilidade, como a de que o vício ocorreu pelo mau uso do produto ou
equipamento.
7.9 A Sistemática dos Prazos
A mais
importante e notável diferença se refere à dinâmica dos prazos. No código
civil, foram examinados os 4 (quatro) casos de prazos, que variam na extensão e
na sua contagem. Assim, podem os prazos variar entre 15 a 30 dias, para bens
móveis, e de 6 meses a 1 ano, para imóveis. A contagem inicial depende se o
adquirente estava ou não com a posse do bem, antes da alienação. Por fim, não
se pode esquecer dos defeitos que, por sua natureza, só puderem ser conhecidos
mais tarde. Nesses casos, o prazo flui a partir da ciência do defeito.
No CDC a
sistemática é diversa. Em primeiro lugar, o diploma consumeirista cuida da
noção de produtos duráveis e não duráveis. Se for não durável, o prazo é de 30
dias; Se for durável, de 90. A contagem varia se o vício for aparente ou
oculto. Sendo aparente, flui da entrega efetiva; sendo oculto, corre a partir
da ciência efetiva.
A previsão de
que a garantia somente flui a partir do efetivo conhecimento do vício também
pode conduzir ao raciocínio de que a garantia é indefinida ou eterna. Isso sem
dúvida conduziria a situações iníquas, pois se um carro funcionou perfeitamente
por 6 anos, não haveria sentido se falar na em defeito oculto para autorizar o
consumidor a exigir as alternativas do artigo 18.
Diante disso,
segundo Cristiano de Farias e Nelson Rosenvald (2015, p. 483), foi definido “um
critério para a delimitação do prazo máximo do aparecimento do vício oculto”,
que passa o da vida útil do bem.
Outros exemplos
podem ser mencionados: se eu compro uma torradeira e o vício se exterioriza com
14 meses, poderia se dizer que o defeito era mesmo oculto, porque ela se
manifestou durante a vida útil do produto. No entanto, situação diversa seria
se esse vício fosse manifestado aos 3 anos de uso. Nesta última situação,
pode-se afirmar que o defeito decorre do próprio exaurimento do bem, face ao
seu uso prolongado.
Parabéns ! por este artigo
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