quinta-feira, 9 de abril de 2015

CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS / CONTRATO PRELIMINAR / CONTRATO COM PESSOA A DECLARAR


Os contratos podem ser classificados de acordo com inúmeros critérios. Mais importante do que compreender a característica de cada espécie contratual é saber a importância que resulta dessa classificação, pois é aí que está a aplicação prática da matéria.

1.       Quanto ao Momento de Formação do Contrato

Ao estudar a boa fé objetiva, vimos que este princípio não se aplica somente no momento da conclusão e no da execução, como indica erroneamente o artigo 422. A boa fé, como sabemos, se aplica desde o momento das tratativas e vai até além da fase de cumprimento do contrato, no período de pós eficácia do negócio.

O ato que deflagra essas três fases é uma proposta e, contratos paritários, a margem de negociação é mais ampla, enquanto que, nos contratos por adesão, a margem é consideravelmente reduzida. Mas tanto em uma como na outra situação, o contrato se forma com o consentimento dos contratantes.

Então, por exemplo, após discutirem as cláusulas do contrato de compra e venda, vendedor e comprador estão de acordo quanto ao objeto e o preço. Logo, o contrato se formou com o consentimento. Esses contratos são chamados de contratos consensuais, pois eles se aperfeiçoam a partir da manifestação de vontade dos contratantes.

Para Carlos Roberto Gonçalves, “contratos consensuais são aqueles que se formam unicamente pelo acordo de vontades (solo consensu), independentemente da entrega da coisa e da observância de determinada forma.” (2012, p. 110)

O contrato consensual é a regra, pois, como vimos, prevalece o princípio do consensualismo no direito civil (art. 107): “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

Neste sentido, o art. 482 do Código Civil também demonstra que a compra e venda é um contrato consensual, ao dispor: “Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.”

Já os contratos reais não se aperfeiçoam apenas com a manifestação de vontade. Para a sua formação, é necessário, além do consentimento, a entrega efetiva da coisa (tradição) ao outro contratante. São exemplos de contratos reais: depósito, comodato e o mútuo.

Atenção: esta classificação gera muita confusão para quem inicia os estudos, pois o que se tem em mente é que, se as duas partes concordaram, o contrato se formou. Isso é a regra, mas os contratos reais constituem exceção.

Assim, se A emprestará 500 mil reais a B, a título de contrato de mútuo, enquanto não houver a tradição do objeto (dinheiro), não há contrato de mútuo. Há, na melhor das hipóteses, uma promessa de contrato (contrato preliminar) de mútuo. 

Alguns autores, como Osti, Colin e Capitant, Josserand, Baudry-lacantinerie, Carrara e Planiol (GAGLIANO; FILHO, 2012, p. 174), ao meu ver com razão, rejeitam essa classificação, alegando que a tradição é pressuposto da exigibilidade da obrigação de restituir. Aliás, não vejo quem dê uma boa explicação para classificar a locação como um contrato consensual e não real. Ora, na locação também haverá uma entrega de um bem móvel ou imóvel para o locatário. Então porque classificá-la como consensual?

1.       Quanto aos Direitos e Obrigações das Partes
(contratos unilaterais e bilaterais)

Como visto, todo contrato é negócio jurídico pelo menos bilateral por exigir o concurso de pelo menos duas vontades para a sua formação.


Repare: a doação é um contrato, tanto é que suas disposições estão previstas entre os artigos 538 e 554 do Código Civil. No entanto, ela não é um contrato bilateral, pois só produz direitos e obrigações para uma das partes. No caso, a obrigação recai exclusivamente sobre o doador, enquanto que o direito assiste apenas ao donatário.

São duas situações distintas, pois para a formação do contrato de doação é necessária a manifestação de vontade tanto do doador como do donatário (negócio jurídico bilateral). Formado o contrato, a obrigação é só doador, daí a doação ser classificada como contrato unilateral.

Neste particular, Caio Mario adverte com precisão que “não se deve confundir a bilateralidade como elemento constitutivo (bilateralidade de manifestação de vontade) com bilateralidade das consequências produzidas” (PEREIRA, 2013)

Outro exemplo de contrato unilateral é o comodato, assim definido como o empréstimo gratuito de bens não fungíveis (art. 579). Após a entrega da coisa para o donatário, surge exclusivamente para este deveres de guarda e cuidado para com a coisa, além do dever de restituí-la no prazo convencionado ou, na falta deste, após a notificação do comodante. A obrigação, perceba, recai exclusivamente sobre o comodatário. Da mesma forma, a fiança e o mútuo também poderão ser classificados como unilaterais.

Sobre o contrato unilateral, Orlando Gomes afirma que este tipo de contrato é aquele que “no momento em que se forma, origina obrigação, tão somente, para uma das partes – ex uno latere” (GOMES apud GONÇALVES, 2012, p. 92)

De outro norte, os contratos bilaterais geram direitos e obrigações para ambos os contratantes, como ocorre na compra e venda, na locação, na prestação de serviço, empreitada, seguro etc.

Em arremate, pode-se dizer que no contrato unilateral há um credor e um devedor, ao passo que, “no bilateral, cada uma das partes é credora e reciprocamente devedora da outra” (PEREIRA, 2013)

1.1.  Importância da Classificação

A importância prática desta classificação é a de que alguns institutos previstos no Código Civil só se aplicam, por compatibilidade estrutural, aos contratos bilaterais. O instituto que será examinado adiante só tem sentido se tratar de um contrato bilateral, senão vejamos:

1.1.1.         Exceção do Contrato Não Cumprido (Exceptio Non Adimpleti Contractus) (Art. 476)

a)       Considerações Iniciais

Se o contrato é bilateral, uma pergunta já pode ser feita: quem deve cumprir primeiro a obrigação? Em certos contratos, a lei tenta estabelecer um critério. Assim, por exemplo, na compra e venda, existe a seguinte regra: “Art. 491. Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço.” Ou seja: na hipótese acima, é o vendedor quem deve cumprir primeiro a sua obrigação. Ele não pode exigir a entrega da coisa sem efetivar o pagamento do preço.

Já na prestação de serviço, na ausência de convenção ou de um costume em sentido contrário, quem deve cumprir primeiro a sua obrigação é o prestador de serviço, nos termos do art. 597: “A retribuição pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção, ou costume, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações.”

Nas demais situações, o ideal é que ocorra uma execução simultânea da obrigação. Neste sentido, uma parte não pode exigir que a outra cumpra obrigação antes de cumprir a sua.

Por exemplo: suponha que A celebrou uma promessa de compra e venda de imóveis com a construtora X. O promitente comprador (A), embora tenha feito o pagamento de grande parte das parcelas, deixou de quitar uma ou duas prestações, além de outros encargos (taxas, comissões, correção, juros etc).

No final do prazo, o promitente comprador A pede a entrega das chaves e a assinatura da escritura definitiva de compra e venda, mas a construtora alega, em sua defesa, que não poderá fazê-lo enquanto o promitente comprador não quitar aquelas parcelas pendentes.


Note que o contrato de promessa de compra e venda é bilateral, pois possui direitos e obrigações para ambas as partes. Para o promitente comprador, o dever de pagar o preço e o direito da entrega das chaves e da assinatura da escritura de compra e venda. Já para o promitente comprador, o dever é o de entrega das chaves e outorga da escritura, enquanto que o direito é o recebimento do preço.

No entanto, por desentendimento, A propõe ação de adjudicação compulsória, pedindo que a construtora entregue as chaves do imóvel e assine a escritura de compra e venda. No entanto, a construtora, em sua defesa, argui a chamada exceção do contrato não cumprido, prevista no artigo 476 do Código Civil:

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

b)       Conceito

Esta defesa, também chamada de exceptio non adimpleti contractus, pode ser alegada pelo réu, na contestação de uma ação em que a outra parte exige o cumprimento da obrigação, mas sem ter cumprido a sua. Observe que não se discute, a princípio, o conteúdo do contrato, não se nega a existência da obrigação (GAGLIANO; FILHO, 2012, p. 302).

A exceção funda-se no princípio da boa fé objetiva, especificamente na função de controle, pelo mecanismo tu quoque (não faça aos outros aquilo que não queira que façam a ti mesmo, ou ainda, aquele que não cumpre seus deveres não pode exigir que o outro cumpra suas obrigações com base na norma violada). (ROSENVALD; CHAVES, 2011, p. 629)

Ou ainda, a exceção do contrato não cumprido “é um meio de defesa, pelo qual a parte demandada pela execução de um contrato pode arguir que deixou de cumpri-lo pelo fato da outra ainda também não ter satisfeito a prestação correspondente” (GAGLIANO; FILHO, 2012, p. 301)

Portanto, a exceção do contrato não cumprido só tem cabimento nos contratos bilaterais. Não faz sentido aplicar este instituto em contratos unilaterais, pois, como visto, só uma das partes tem direitos ou obrigações. Para ilustrar, vejamos um exemplo de aplicação recente da exceção do contrato não cumprido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.


EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO COMINATÓRIA - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - OUTORGA DE ESCRITURA - AUSÊNCIA DE PROVA DO PAGAMENTO DO PREÇO - EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. DECLARAÇÃO ESCRITA DE TESTEMUNHA - INADMISSIBILIDADE COMO PROVA EM JUÍZO. 1- A pretensão de outorga de escritura, fundada na celebração decontrato de promessa de compra e venda, exige a prova do pagamento do preço, sob pena de aplicação da cláusula da exceção docontrato não cumprido, prevista no art. 476 do Código Civil. 2- A lei processual civil prescreve o procedimento a ser adotado para se colher o depoimento de testemunhas, de modo que declaração escrita não tem valor probante, não sendo meio hábil para fazer prova dos fatos declarados. (TJMG, 1.0313.10.004710-6/001, 18ª Câm. Cível, Des. Rel. Octávio Augusto de Nigris Boccalini., DJ 09/03/15)

Só por curiosidade, o autor da ação e apelante do recurso pretendia comprovar o pagamento das parcelas por meio de uma declaração testemunhal:


“[...] O contrato de compra e venda é um típico contrato sinalagmático, em que há reciprocidade entre as obrigações contraídas pelas partes. Ao adquirente cumpre o pagamento do preço ajustado. E para exigir o cumprimento da obrigação do alienante, deve demonstrar ter honrado a sua, mediante a prova do pagamento, sob pena de atrair a aplicação da cláusula da exceptio non adimpleti contractus (exceção do contrato não cumprido), que se encontra consagrada no art. 476 do Código Civil:
Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
Pretendem os apelantes se utilizar das declarações juntadas às fls. 16/18 como prova do pagamento. Sobre a matéria (prova do pagamento), reza o art. 320 do Código Civil:
Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.
Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida.
Em regra, portanto, o pagamento se prova pelo recibo ou apresentação da quitação. Admite-se, no entanto, outras formas de demonstração do pagamento, que não contenham os dados elencados no citado dispositivo legal.
A declaração escrita de testemunha, entretanto, não se presta a tal fim, por não constituir meio de prova. Sobre a utilização deste tipo de documento como prova, leciona Ernane Fidélis dos Santos:
A declaração de ciência pode provir de terceiro. Se produzida com o fito exclusivo de atestar fato do processo ('Declaro que assisti ao Sr. João das Neves expulsar, violentamente, Francisco Pereira de sua casa, dela se apossando'), não passa de mero testemunho escrito que, como prova, é nenhuma. A prova testemunhal, para ter valor, deve ser produzida em audiência, observando-se, com rigor, o princípio do contraditório (arts. 413/419). (FIDÉLIS DOS SANTOS, Ernane. Manual de Direito Processual Civil. Vol. I. 4ª edição, ed. Saraiva. p. 424) [...]”

Não é por outra razão que Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald advertem que, “na promessa de compra e venda, o promissário comprador somente poderá pleitear a outorga da escritura definitiva do promitente vendedor quando pagar integralmente as prestações.” (CHAVES; ROSENVALD, 2011, p. 630).

Mas um detalhe: a exceção do contrato não cumprido não pode exercida abusivamente, como no exemplo de uma construtora que se nega a entregar as chaves e a outorgar a escritura definitiva, quando o promitente comprador cumpriu substancialmente o contrato. Neste aspecto, a teoria do adimplemento substancial pode ser aplicada para abrandar os rigores da exceptio non adimpleti contractus, pois esta não tem vez quando o descumprimento é mínimo:

- A exceção de contrato não cumprido somente pode ser oposta quando a lei ou o próprio contrato não determinar a quem cabe primeiro cumprir a obrigação. Estabelecida a sucessividade do adimplemento, o contraente que deve satisfazer a prestação antes do outro não pode recusar-se a cumpri-la sob a conjectura de que este não satisfará a que lhe corre. Já aquele que detém o direito de realizar por último a prestação pode postergá-la enquanto o outro contratante não satisfizer sua própria obrigação. A recusa da parte em cumprir sua obrigação deve guardar proporcionalidade com a inadimplência do outro, não havendo de se cogitar da arguição da exceção de contrato não cumprido quando o descumprimento é parcial e mínimo. - Nos termos do art. 184 do CC/02, a nulidade parcial do contrato não alcança a parte válida, desde que essa possa subsistir autonomamente. Haverá nulidade parcial sempre que o vício invalidante não atingir o núcleo do negócio jurídico. Ficando demonstrado que o negócio tem caráter unitário, que as partes só teriam celebrado se válido fosse em seu conjunto, sem possibilidade de divisão ou fracionamento, não se pode cogitar de redução, e a invalidade é total. O princípio da conservação do negócio jurídico não deve afetar sua causa ensejadora, interferindo na vontade das partes quanto à própria existência da transação. - A boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal. Não tendo o comprador agido de forma contrária a tais princípios, não há como inquinar seu comportamento de violador da boa-fé objetiva. (REsp 981.750/MG)

c)       Natureza Jurídica

A alegação da exceção do contrato não cumprido, pelo réu, na contestação, não visa a extinção do contrato. Ela serve apenas como um “modo de oposição temporária à exigibilidade do cumprimento da obrigação”.

Quanto aos aspectos formais e procedimentais, a exceção é adequadamente arguida em preliminar de mérito da contestação, como uma defesa indireta de mérito ou uma exceção substancial dilatória. xser extinta sem resolução do mérito, pois falta interesse de agir ao autor que exige o cumprimento de obrigação, quando não cumpriu a sua.

CIVIL E PROCESSO CIVIL. EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS. EFEITO PROCESSUAL. A exceção de contrato não cumprido constitui defesa indireta de mérito (exceção substancial); quando acolhida, implica a improcedência do pedido, porque é uma das espécies de fato impeditivo do direito do autor, oponível como preliminar de mérito na contestação (CPC, art. 326). Recurso especial conhecido e provido. (REsp 673.773/RN)

d)       Requisitos/Elementos da Exceção do contrato não Cumprido

São pressupostos para a caracterização da exceção do contrato não cumprido: i) existência de um contrato bilateral; ii) demanda de uma das partes pelo cumprimento do pactuado e iii) prévio descumprimento da prestação pela parte demandante. (GAGLIANO; FILHO, 2012)

e)       Cláusula solve et repete

A cláusula solve et repete estabelece a renúncia, pelos contratantes, do exercício do direito de se invocar a exceção do contrato não cumprido (art. 476) e da exceção de garantia (art. 477). Tal renúncia não é admitida em legislação de países como Portugal (FARIAS; ROSENVALD, 2011), mas, por ausência de vedação legal, seria admitida em contratos paritários no Brasil.

Com esta cláusula, “o contratante deverá cumprir a sua prestação mesmo que a contraparte haja negligenciado o cumprimento da que lhe incumbia primeiramente” (CHAVES; ROSENVALD, 2011).

1.1.2.         Exceção de Garantia (Art. 477)

A exceção de garantia, também conhecida como exceptio no rite adimpleti contractus, também tem relação direta com os contratos bilaterais, mas com uma diferença em relação à exceção do contrato não cumprido.

Veja, o nome do instituto é sugestivo. Exceção de garantia é uma defesa pela qual um contratante, tendo justo receio de que o outro não terá condições de cumprir sua obrigação, poderá recusar-se à obrigação que lhe incumbe, até que aquele satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

É o que dispõe o art. 477 do Código Civil:

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

A título de ilustração, suponha que, num contrato de permuta (troca), o permutante A teria de cumprir sua prestação de entregar o automóvel após receber uma carga de computadores de B. Todavia, antes do vencimento da obrigação de B, o automóvel de A foi penhorado em execução promovida por outro credor. (CHAVES; ROSENVALD, 2011)

No caso, há uma evidente redução do patrimônio do permutante A, que teve seu carro penhorado. Consequentemente, aumentou drasticamente o risco do negócio para B, que tinha a expectativa de que o carro fosse entregue após a entrega da carga de computadores.

Assim, nesta modalidade de exceção, aquele que tinha que cumprir primeiro pode sobrestar o cumprimento da sua obrigação até que o outro contratante cumpra a prestação que lhe compete ou dê garantias idôneas, nos termos do Art. 477:

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

As garantias podem ser reais, quando recaem sobre coisas, como móveis e imóveis (penhor e hipoteca) ou podem ser fidejussória, quando são pessoais (aval e fiança).

1.1.3.         Teoria da Imprevisão

Como visto, a teoria da imprevisão impõe uma série de requisitos rigorosos para que se possa permitir a revisão ou, se for o caso, a extinção (resolução) do contrato de execução continuada ou diferida. Para isso, é preciso que a prestação de uma parte se torne excessivamente onerosa em razão de um fato superveniente imprevisível e extraordinário, que proporcione, ainda, extrema vantagem para o outro contratante.

Mas a pergunta que fica é: a teoria da imprevisão se aplicaria aos contratos unilaterais?

A pergunta talvez possa parecer um pouco estranha para quem sempre associa o contrato unilateral com a doação e o comodato, por exemplo. Ora, em se tratando de uma liberalidade, o autor dela (doador, comodante) poderia simplesmente deixar de concedê-la a outra parte.

O fato é que, nos termos do art. 480 do Código Civil, “se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que sua obrigação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.

O contrato de mútuo, como dito, por ser um contrato real, só se aperfeiçoa com a entrega da coisa ao mutuário. E após a formação do contrato de mútuo, a obrigação recai exclusivamente sobre o mutuário, pois é ele quem deverá restituir o bem fungível que lhe foi entregue, somado com eventuais encargos contratuais (juros, por exemplo). Ou seja, o mútuo, além de ser um contrato real, é também um contrato unilateral, pois gera obrigações tão somente ao mutuário.

Assim, de acordo com o art. 480, quem pediu dinheiro emprestado para um banco (mutuário), poderia pedir a revisão do contrato para evitar onerosidade excessiva, isso se ele comprovar os requisitos da teoria da imprevisão, contidos no art. 478.

2.       Quanto às Vantagens e Sacrifícios Patrimoniais

De acordo com este critério, os contratos podem ser classificados como onerosos ou gratuitos (benéficos). Serão da primeira espécie quando houver para ambos os contratantes vantagens e respectivos sacrifícios patrimoniais, ou serão da segunda modalidade se só uma das partes receber as vantagens e a outra suportar o desfalque patrimonial.

Neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves afirma que os contratos gratuitos ou benéficos são aqueles em que apenas uma das partes aufere benefício ou vantagem e onerosos aqueles em que ambos os contratantes obtêm proveito e um sacrifício correlato (GONÇALVES, 2012).

São exemplos de contratos onerosos a compra e venda, a prestação de serviço, a locação, e são exemplos dos contratos gratuitos ou benéficos a doação, o comodato, a fiança etc.

É intuitivo associar contrato bilateral com o oneroso, e o unilateral com o gratuito, mas essa relação não é necessária. Há exemplos de contratos unilaterais, como o mútuo (a obrigação recai exclusivamente sobre o mutuário, que deve restituir o bem fungível ao termo do prazo ajustado), que pode ser estipulado de forma onerosa (mútuo feneratício), ou seja, com o pagamento de juros.

2.1.  Carona é Contrato de Transporte Gratuito?

De acordo com Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2011), existem duas modalidades de contratos gratuitos: os desinteressados e os interessados.

O desinteressado seria aquele realizado única e exclusivamente para beneficiar uma parte, sem nenhuma vantagem para o autor da liberalidade. Exemplo: uma doação pura.

No entanto, se quem age por liberalidade obtém um benefício indireto com o ato, o contrato seria, na subclassificação proposta, gratuito interessado. Por exemplo: um passeio de carro gratuito oferecido  por uma imobiliária a um potencial comprador ou locador de um imóvel.

Assim, quanto à pergunta feita no título deste tópico, uma carona oferecida por simples boa vontade seria um contrato de transporte gratuito desinteressado, enquanto que uma carona prestada a um potencial cliente, pelo benefício indireto proporcionado, se classificaria como um contrato gratuito interessado.

A diferença repercute na esfera da responsabilidade civil, pois no contrato gratuito de transporte por amizade ou cortesia, a responsabilidade é subjetiva (art. 186 do CC), e no contrato gratuito interessado (transporte em que há uma vantagem indireta), a responsabilidade é objetiva (art. 736, p. único c/c art. 734)

2.2. Importância Prática da Classificação

2.2.1. Interpretação do Contrato

A diferença mais significativa entre contratos gratuitos e onerosos está na interpretação de cada uma das espécies. Ora, se no contrato gratuito só uma das partes suporta o desfalque patrimonial, não se pode interpretar a sua vontade para além daquilo que ele realmente desejava dispor. Pelo contrário, os negócios gratuitos ou benéficos interpretam-se restritivamente (art. 114).

Deve-se buscar sempre o sentido exato da vontade daquele que realizou o ato benéfico. Por exemplo: no contrato de fiança locatícia (aquela fiança prestada em favor do locatário, no contrato de locação de imóveis urbanos), se o fiador não se obrigou expressamente pelo pagamento do valor do aluguel, na hipótese de atraso, ele não poderá suportar outros encargos não previstos expressamente.

3.       Quanto ao Risco a Que se Sujeita a Prestação
(comutativos e aleatórios)

Na conceituação erudita de Clóvis Bevilaqua, contratos comutativos são aqueles em que há “equivalência aproximada ou exata entre as prestações das duas partes contratantes; aleatórios, se as vantagens a obter são incertas ou vacilantes, podendo ser maiores, iguais ou menores do que as prestações realizadas para obtê-las, ou até absolutamente nulas” (BEVILAQUA apud CHAVES; ROSENVALD, 2011, p. 270)

No contrato comutativo, “a prestação das partes é determinável desde o início, sendo os resultados econômicos previstos desde a formação, mantendo-se uma relação de equivalência imediata”. Já nos contratos aleatórios “ao menos uma das prestações é incerta quanto à exigibilidade da coisa ou fato, ou mesmo do seu valor, demandando um evento futuro e incerto que dependerá do acaso.” (CHAVES; ROSENVALD, 2011, p. 271).

Em termos mais objetivos, contrato comutativo ou pré-estimado é aquele que tem uma prestação certa e determinada desde o início. “As partes podem antever as vantagens e os sacrifícios, que geralmente, se equivalem, decorrentes de sua celebração, porque não envolvem nenhum risco”. (GONÇALVES,, 2012, p. 156).

Já no contrato aleatório, a prestação dependerá do acaso, eis que sujeita a um risco considerável. Tepedino, Barboza e Moraes conceituam o contrato aleatório da seguinte forma:

“são aleatórios todos aqueles contratos em que as partes desde logo assumem o risco de realizar uma prestação desproporcional ao valor da contraprestação.” (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES apud CHAVES; ROSENVALD, 2011)

Portanto, nos contratos aleatórios, pelo menos um dos contratantes não pode antever a vantagem que receberá [...] Caracteriza-se, ao contrário do comutativo, pela incerteza, para as duas partes, sobre as vantagens e sacrifícios que dele pode advir. É que a perda ou lucro dependem de um fato futuro e imprevisível (GONÇAVELVES, 2012, p. 97)

Assim, para ser classificado como aleatório, basta que exista pelo menos uma das prestações esteja sujeita a risco, como no contrato de seguro e nas loterias administradas pela Administração Pública Federal.

Esclareça-se inclusive que “o vocábulo aleatório é originário do latem alea, que significa sorte, risco, azar, dependente do acaso ou do destino, como na célebre frase de Júlio César, ao atravessar o rio Rubicão: alea jacta est (a sorte está lançada).”

Todo contrato, na verdade, está sujeito a um risco. A inadimplência, por exemplo, é um risco de crédito que deve ser avaliado em muitos contratos. No entanto, nos contratos aleatórios, o risco é da essência do negócio, pois a prestação está sujeita a um evento futuro e incerto.

3.1.  Importância da Classificação

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a “distinção entre contratos comutativos e aleatórios é de indiscutível importância [...] visto que estão submetidos a regimes legais diversos.” (GONÇAVES, 2012, p. 158)

Assim, dentre as inúmeras implicações práticas da classificação, pode-se apontar:

3.1.1.         Teoria da Imprevisão e Quebra da Base Objetiva.

A teoria da imprevisão somente se aplica aos contratos comutativos, pois esse contrato pressupõe a equivalência das prestações (sinalagma), a ponto de autorizar a revisão, diante da presença dos requisitos legais (art. 317 e 478 do CC/02)

No entanto, o STJ permite a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos que tem uma parte comutativa e outra aleatória, como os planos de saúde e o seguro de vida. Já foi decido, por exemplo, que a aplicação de reajustes acima dos patamares definidos pela Agência Nacional de Saúde pode dar margem para se pleitear a revisão das mensalidades do plano.

3.1.2.         Evicção e Vícios Redibitórios

Outro importante desdobramento prático da classificação dos contratos em comutativos e aleatórios se refere ao regime dos vícios redibitórios e da evicção, que, como será visto oportunamente, são garantias legais nos contratos comutativos e onerosos. Neste sentido, vide artigos 441 e 447.



3.2.  Espécies de Contratos Aleatórios

Existem duas espécies de contratos aleatórios, os contratos aleatórios por natureza e os acidentalmente aleatórios:

Nos contratos aleatórios por natureza, o risco é da essência do negócio, como no seguro, jogo e aposta etc. No entanto, alguns contratos comutativos por natureza podem se transformar em contratos aleatórios.

3.2.1.         Contratos Acidentalmente Aleatórios

Os contratos acidentalmente aleatórios se subdividem, respectivamente, em venda de coisas futuras e venda de coisa existente, mas sujeita à risco. Nos primeiros, venda de coisas futuras, subdividem-se, por sua vez, o risco pode se referir à própria existência da coisa ou à sua quantidade.

3.2.1.1.    Compra e Venda Aleatória (Venda de Coisa Futura)

a)       Emptio Spei (Venda da Esperança)

Nesta modalidade de compra e venda aleatória, o comprador assume o risco do pagamento da obrigação, ainda que nada do que foi contratado venha a existir:

“Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.”

O art. 458 retrata a hipótese de alguém que vende uma safra futura, mas que combina com o comprador que, haja ou não safra, este último terá o dever de pagar o preço integral, desde que, é claro, não tenha o vendedor agido com dolo ou culpa.

b)       Emptio Rei Speratae (Venda de Coisa Esperada)

Já na venda de coisa esperada, o risco do comprador é reduzido, pois ele só deverá pagar o preço se o objeto vier a existir, ainda que em quantidade mínima.

“Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.”

Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido.

Nesta modalidade de venda aleatória, o risco é melhor dividido entre as partes, embora continue o comprador a uma álea considerável. O pagamento do preço, como se pode notar, só é devido se a coisa existir, seja qual for a quantidade.

c)       Venda de Coisas Existentes, mas Sujeitas a Risco

Por fim, o contrato pode versar sobre coisas que já existem, mas que estão sujeitas a risco, como nos mostra os artigos 460 e 461:

Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.
Art. 461. A alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser anulada como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não ignorava a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa.
Para exemplificar o comando legal, basta imaginar a situação de uma carga que está sendo transportada de um local para o outro via transporte rodoviário. No caso, o vendedor e o comprador sabem que a carga está sujeita a risco – roubo ou acidente – mas celebram a compra e venda, mesmo assim.

E se a carga porventura já tinha sido perdida por causa de um acidente rodoviário, o vendedor ainda assim terá direito ao preço.

O art. 460, portanto, retrata uma situação em que duas partes celebraram um contrato com objeto inexistente, pois, antes da conclusão do negócio, já tinha se perdido. No entanto, como as partes em tese não sabiam desse fato, o comprador assume todo o risco.

Do contrário, ou seja, se o vendedor sabia que a carga já tinha se perdido, estará agindo com dolo – um dos defeitos do negócio jurídico, que induz o outro contratante a erro. É óbvio que, neste caso, o negócio poderá ser anulado por iniciativa do prejudicado.

4.       Quanto à Definitividade dos contratos

É possível classificar os contratos de acordo com a definitividade do seu objeto, em definitivos e preliminares. Os contratos preliminares, também conhecidos como “promessa de contrato” ou pacto de contrahendo são aqueles que “tendem à celebração de outros, denominados contratos definitivos. Esses últimos não têm qualquer dependência futura, no aspecto temporal” (TARTUCE, 2014, p. 42).

Nesta classificação, portanto, podemos divisar os contratos que se esgotam em si mesmos, que não dependem de outros para a realização de seu objetivo, e contratos preliminares, cujo objeto é a celebração de um contrato futuro.

4.1.  Contratos Preliminares (Promessa de Contrato / Pacto de Contrahendo)

4.1.1.         Considerações Iniciais

De acordo com o critério de classificação em análise, o contrato preliminar é aquele cujo objeto é a celebração de um contrato futuro. Ele cria uma obrigação de fazer, impondo ao contratante o dever de assinar um futuro negócio.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

Esses contratos existem porque muitas vezes uma parte não tem condições momentâneas de celebrar o contrato definitivo, mas querem ter uma garantia da sua celebração.

Para ilustrar, pense no exemplo de um proprietário de um imóvel que vem encontrando muita dificuldade na locação do bem. Por outro lado, alguém identifica neste imóvel uma oportunidade para sua moradia, mas não pode fazer isso momentaneamente. Para solucionar a questão, as partes podem assinar uma promessa de locação para garantir a celebração do contrato futuro.

Outra expressiva vantagem da promessa de contrato é economia de dinheiro e tempo que ele pode proporcionar.

Suponha que alguém receba uma proposta de compra de um imóvel. O comprador, no entanto, não tem recursos para quitar o preço instantaneamente, mas ofereceu um bom preço, a ser realizado, porém, na forma de prestações periódicas.

O vendedor poderia fazer um contrato definitivo de compra e venda, incluindo o próprio bem como garantia da operação (hipoteca). Com o registro, a propriedade do bem é transferida para o comprador e, em caso de inadimplemento, o vendedor teria que ajuizar uma ação para a excussão do bem hipotecado em juízo, caso em que ele seria levado para a hasta pública. Este procedimento, como se sabe, é demorado e envolve custos.

Para contornar a situação, o vendedor pode celebrar a promessa de compra e venda e condicionar a outorga da escritura ao pagamento integral das parcelas. Nesta hipótese, em caso de inadimplemento a solução é muito mais simples: o vendedor pode pedir a resolução do contrato pelo inadimplemento e obter a posse do imóvel.

4.1.2.         Requisitos da Promessa de Compra e Venda

Nos termos do art. 462, o “contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais do contrato a ser celebrado”. Assim, por exemplo, os mesmos requisitos de validade exigidos para o sujeito e para o objeto, na compra e venda, devem ser preenchidos pelo contrato preliminar.

Assim, se para a compra e venda é preciso que o agente seja capaz, exige-se a capacidade para celebrar a promessa de contrato; se na compra e venda é necessária a outorga do cônjuge (art. 1.647), para conferir legitimação ao ato, ela também é necessária no contrato preliminar. Igualmente, se o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável, a promessa de contrato também deve preencher esses requisitos.

Há, com efeito, uma necessária simetria entre os requisitos subjetivos e o objeto, mas o mesmo não se pode dizer em relação ao requisito formal. Exemplo: a compra e venda de imóvel superior a 30 salários mínimos exige escritura pública como requisito de validade do ato (art. 108). No entanto, as partes não precisam celebrar uma escritura pública da promessa de compra e venda, a não ser que queiram dar mais solenidade ao contrato. Seja como for, não há exata correspondência no requisito formal, podendo o contrato ser documentado por instrumento particular.

4.1.3.         Modalidades

Segundo Maria Helena Diniz, citada por Flávio Tartuce, existem duas modalidades de contrato preliminar: a) o compromisso unilateral de contrato ou contrato de opção e o b) compromisso bilateral do contrato.

4.1.3.1.    Compromisso Unilateral ou Contrato de Opção

Trata-se da modalidade “em que as duas partes assinam o instrumento, mas somente uma das partes (sic) assume um dever, uma obrigação de fazer o contrato definitivo [...] Assim, existe para o outro contratante apenas a opção de celebrar o contrato definitivo.” (TARTUCE, 2014, p. 146)

Sobre esta modalidade, dispõe o art. 466 do Código Civil:

Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.

Ainda de acordo com Flávio Tartuce, um exemplo para ilustrar a previsão do art. 466 é o contrato de leasing ou arrendamento mercantil. Algumas noções sobre esta modalidade contratual foram apresentadas quando do estudo da teoria da imprevisão e da quebra da base objetiva.

Para recordar, o leasing é basicamente uma locação com opção de compra. O arrendatário/locatário aluga uma máquina, por exemplo, é paga um valor mensal, a título de aluguel. No final do contrato, se for conveniente, o arrendatário pode exercer a opção de compra e adquirir a propriedade do bem, mediante o pagamento de um preço complementar, denominado valor residual garantido (V.R.G).

É preciso apenas essa noção básica, e nada mais, para se reconhecer que o leasing é, na essência, uma promessa unilateral ou compromisso unilateral de compra e venda, por meio da qual o locatário tem a faculdade de comprar o bem que foi alugado por um certo período.

Sendo assim, pode-se dizer que o locatário é o credor no final do contrato, pois pode optar pela compra do bem e pagar o valor residual ao arrendador. No entanto, essa opção deve ser exercida dentro de um determinado prazo, que pode estar previsto no contrato ou, em caso de omissão, ser fixado posteriormente pelo devedor por meio de uma notificação.

Enfim, no exemplo citado, o arrendatário do contrato de leasing (credor da promessa unilateral de compra e venda), tem que se atentar ao prazo para o exercício da opção de compra, sob pena da promessa ficar sem efeito.

4.1.3.2.    Compromisso Bilateral de Compra e Venda.

Já nesta espécie, a mais comum, por sinal, “as duas partes assinam o instrumento e, ao mesmo tempo, assumem a obrigação de celebrar o contrato definitivo” (TARTUCE, 2014, p. 147)

O exemplo mais comum do compromisso bilateral de compra e venda é a promessa de compra e venda, mas nada impede, como visto, a celebração de uma promessa de locação, ou ainda, um contrato preliminar de doação.

As questões mais intrigantes e melindrosas, porém, versam sobre o compromisso bilateral de compra e venda de imóveis. A primeira a ser estudada é a que diz respeito ao registro do contrato preliminar na matrícula do imóvel, conforme se segue:

a)       Registro na Matrícula Imobiliária

Existem duas partes na promessa (bilateral) de compra e venda, o promitente vendedor e o promitente comprador. Conforme for ou não conveniente, eles podem fazer o registro da promessa de compra e venda na matrícula imobiliária. Isso traz maior proteção e segurança ao promitente comprador, pois o registro confere eficácia contra terceiros (publicidade) e o direito do promitente comprador se transforma em um verdadeiro direito real de aquisição.

Neste caso, se um terceiro viesse a pagar o preço do imóvel ao promitente vendedor, que tentou vender o bem novamente de forma maliciosa, ele não poderia reivindicar o imóvel do promitente comprador, pois o contrato preliminar foi registrado.

A natureza real da promessa de compra e venda levada a registro é afirmada pela combinação dos artigos 1.225, 1.417 e 1.418 do Código Civil:

Art. 1.225. São direitos reais:

[...]

VII - o direito do promitente comprador do imóvel;

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

É importante ressaltar que o registro é necessário para a aquisição do direito real, que permite ao promitente comprador, nos termos do art. 1.418, o direito de exigir a outorga da escritura do promitente vendedor ou de terceiros.

Logo, se não houver o registro, o promitente comprador corre o risco de não poder reivindicar o bem de um terceiro que adquiriu a propriedade do imóvel posteriormente, pois a falta do registro não confere publicidade em relação terceiros.

Mas uma dúvida surge a respeito da possibilidade do promitente comprador exigir do promitente vendedor a outorga da escritura, pois o parágrafo único do art. 463 dispõe que a promessa de compra e venda deverá ser levada a registro, levando a crer que o registro seria um requisito de validade do contrato preliminar, vejamos:

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

No entanto, de acordo com o Enunciado 30 do CJF, aprovado na I Jornada de Direito Civil, “A disposição do parágrafo único do art. 464 do novo Código Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros” (TARTUCE, 2014, p. 147)

Portanto, a ausência de registro não traz maiores consequências na relação jurídica do promitente comprador com o promitente vendedor. A diferença é que os efeitos são inter partes.

A este respeito, existe a súmula 239 do STJ e, de forma mais completa, o Enunciado 95 do CJF:

                                     SÚMULA 239 
O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do
compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

                                    ENUNCIADO 95 DO CJF

95 – Art. 1.418: O direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro imobiliário (Súmula n. 239 do STJ)

b)       Adjudicação Compulsória

Findo o contrato, e desde que as partes não tenham estipulado cláusula de arrependimento, poderá a parte interessada fixar um prazo para que a outra o efetive, como descreve o citado art. 463.

E se a parte notificada não cumprir a promessa, deixando escoar o prazo sem qualquer providência, o interessado poderá pedir ao juiz o suprimento da vontade da parte recalcitrante, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, desde, é claro, que isso não se oponha à natureza da obrigação, conforme o art. 464:

Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.

De acordo com Flávio Tartuce, as disposições do Código Civil se aplicam a qualquer tipo de imóvel (urbanos e rurais, loteados ou não), pois consolidou todo o tratamento da matéria e derrogou, por via de consequência, as regras constantes de leis especiais como o Decreto-lei 58/1937, Decreto 3.079/1938, Leis 4.505/1.964 e 6.766/1.979). (TARTUCE, 2014, p. 148)

c)       Perdas e Danos

Ao invés de requerer a adjudicação compulsória, o interessado poderá pleitear eventuais perdas e danos decorrentes diante da não execução do contrato preliminar, como dispõe o art. 465:


Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.

4.1.4.         Contrato Com Pessoa a Declarar (art. 467 a 471)

4.4.1. Considerações Iniciais e conceito

A celebração de contratos na economia muitas vezes obedece a uma lógica especulativa, na qual um agente econômico compra determinado bem por um preço melhor, e depois o revende a terceiros, computando uma margem de lucro. Inclusive, ainda muito se diz por aí que a aquisição de imóveis continua a ser um excelente investimento.

No entanto, se a pessoa quer extrair o máximo de proveito econômico neste negócio, ela não precisa comprar o imóvel, e desembolsar todos os gastos com escritura e impostos incidentes na operação, para depois revender o bem a terceiros, pois isso gera nova incidência desses encargos.

Sendo assim, para contornar essa situação, é possível a estipulação de uma cláusula pela qual “um dos contratantes pode reservar-se o direito de indicar outra pessoa para, em seu lugar, adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes (art. 467)” (GONÇALVES, 2012, p. 170)

Segundo Caio Mario, foi o Código Civil italiano que tipificou este tipo de avença nos artigos 1.401 e seguintes. (PEREIRA, 2014), mas também há previsão no Código português, nos artigos 452º e 456º  com o nome “contrato para pessoa a nomear” (GONÇALVES, 2012, p. 170)

Anote-se, a título de curiosidade, que esta cláusula surgiu na idade média em meio às vendas judiciais realizadas. Como se sabe, nas alienações judiciais surgem diversos interessados na aquisição do bem, denominados licitantes. O bem é arrematado pelo licitante que oferece o melhor preço. Na época, alguns nobres e pessoas de alta classe solicitavam que pessoas desconhecidas oferecessem o lance e, no momento do pagamento do preço, pudessem indicar outra pessoa que assumiria o seu lugar.

A cláusula nasceu, assim, como uma tática negocial para se evitar a supervalorização do preço do bem arrematado. Tais informações constam da monografia apresentada por Luiz Roldão de Freitas Gomes (apud GONÇALVES, 2012).

Nela são identificadas três personagens:

è   promitente: aquele que assume o compromisso de reconhecer o amicus ou eligendo;
è   O estipulante: que pactua em seu favor a cláusula de substituição;
è  O electus (a pessoa escolhida) (GONÇALVES, 2012)

Em suma, “pela cláusula electio amici ou pro amico electo (para pessoa a nomear) uma das partes originárias do negócio jurídico (estipulante) pactua a sua eventual substituição, reservando para si a futura indicação do nome, comprometendo-se a outra parte (promitente) a reconhecer o amicus (indicado) como parceiro contratual.” (CHAVES; ROSENVALD, 2011, p. 500)

b) Natureza Jurídica

O contrato com pessoa a declarar é um contrato acessório, pois ele só existe diante de um contrato principal, como, por exemplo, a promessa de compra e venda.

A promessa de compra e venda é um contrato cujo objeto é a assinatura de um contrato futuro. Por exemplo, se A e B celebram promessa de compra e venda, pela qual B se obriga a adquirir o imóvel de A, tem-se A como promitente vendedor e B como promitente comprador. Salvo previsão de cláusula de arrependimento, os contratantes são obrigados a firmar o contrato definitivo – promessa de compra e venda.

Neste caso, se na promessa de compra e venda estiver prevista a cláusula de pessoa a declarar, B poderá, no momento da assinatura da compra e venda, indicar C, por exemplo, para assumir os direitos e obrigações decorrentes.

Isso evita a realização de dois contratos de compra e venda, que somente beneficiaria os cartórios com custas e emolumentos, além do município, que recolheria o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) nas duas operações.

Em abono às minhas palavras, cito o magistério de Carlos Roberto Gonçalves:

“A referida cláusula é denominada pro amico eligendo ou sibi aut amico vel eligendo. Tem sido utilizada para evitar despesas com nova alieanção, nos casos de bens adquiridos com o propósito de revenda, com a simples intermediação do que figura como adquirente.” (GONÇALVES, 2012, p. 170)

Ainda de acordo com o mencionado autor, esta cláusula não é exclusiva da promessa de compra e venda, podendo ser utilizada em outros contratos, com exceção daqueles personalíssimos, cujo cumprimento da obrigação deve ser feita por alguém em específico (2012). De fato, não há conceber uma cláusula desta natureza em contrato de doação.

Em complemento, o contrato com pessoa a declarar, além de acessório, é um contrato condicional, pois está subordinado a uma condição resolutiva. Aliás, a escolha válida da pessoa implementa a condição resolutiva do contrato acessório, desvinculando o estipulante, ao mesmo tempo em que deflagra os efeitos do contrato principal em relação ao substituto, funcionando, neste aspecto, como uma condição suspensiva em relação a ele.

Mas as aplicações práticas do contrato com pessoa a declarar não se resumem à promessa de compra e venda. Uma pessoa famosa e abonada, como Luciano Huck, pode valer-se de uma cláusula como essa para evitar a fixação do preço de um bem nas alturas.

Da mesma forma, uma agência de automóveis que deseja retransmitir o carro usado que adquiriu do particular pode valer-se da cláusula pro amico eligendo (CHAVES; ROSENVALD, 2011, p. 501)

c) Figuras Afins (Distinções)

O contrato com pessoa a declarar tem semelhanças, mas não pode ser confundido com outras figuras jurídicas afins. Vejamos as diferenças:
  • Contrato Com Pessoa a Declarar e Estipulação em Favor de Terceiro 
O ponto em comum entre os dois institutos é que ambos constituem exceção ao princípio da relatividade dos efeitos do contrato. O contrato, que deveria produzir efeitos somente entre os contratantes, repercute na esfera jurídica de terceiros estranhos à relação contratual originária.

Por outro lado, a diferença é que na estipulação em favor de terceiro, o estipulante e o promitente permanecem vinculados ao contrato durante toda a sua fase de cumprimento, enquanto o terceiro beneficiário, apesar de ter a possibilidade de exigir o cumprimento da obrigação, é figura alheia ao contrato, não o integrando, mesmo após a aceitação.

Já no contrato com pessoa a declarar, o terceiro ocupa a posição do estipulante, com efeitos retroativos (ex nunc), como tivesse feito parte do contrato desde a sua conclusão. Portanto, o estipulante se desvincula e uma nova pessoa assume sua posição contratual e, consequentemente, seus direitos e obrigações.
  • Contrato Com Pessoa a Declarar e Cessão de Contrato 
O ponto de convergência entre esses dois institutos está no fato de que, em ambos os casos, opera-se uma substituição de um contratante por um terceiro, que assume a posição contratual, que ocupado pelo outro.

Em um contrato de locação, por exemplo, pode estar prevista a cláusula que autoriza a cessão do contrato. Nesta hipótese, o locatário poderá ceder a sua posição contratual a um terceiro (cessionário), que substituirá o antigo locatário e assumirá todos os direitos e obrigações decorrentes.

No contrato com pessoa a declarar ocorre basicamente a mesma coisa. Algum investidor celebra um contrato de promessa de compra e venda de um imóvel e paga um preço X, em prestações. Ao final das parcelas, já com o imóvel valorizado, o promitente comprador declara que o contrato definitivo de compra e venda será firmado por outra pessoa que, é claro, já pagou o preço que o investidor queria.

Em ambos os casos houve a substituição, mas a diferença é que no contrato com pessoa a declarar os efeitos são ex nunc. É como se o comprador do imóvel tivesse participado da promessa de compra e venda, desde o momento inicial. Já na cessão de contrato, o cessionário também passa a ocupar o lugar do cedente, mas com efeitos ex tunc.

d) Prazo, Forma e Efeitos da Indicação  

Nos termos dos artigos 468, caput e seu parágrafo único, a indicação do substituto deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias, se outro não tiver sido estipulado. A forma da comunicação é a mesma que se reveste o contrato principal. Ou seja, se o contrato principal foi celebrado por instrumento público, a comunicação também deverá seguir essa forma.

A eficácia da indicação é retroativa (ex tunc), pois a pessoa nomeada assume a posição contratual do estipulante desde a origem do contrato. Neste sentido, dispõe o art. 469:

Art. 469. A pessoa, nomeada de conformidade com os artigos antecedentes, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes do contrato, a partir do momento em que este foi celebrado.

e) Frustração da Cláusula pro amico eligendo

A frustração do contrato com pessoa a declarar ocorre quando, por qualquer motivo, não houver indicação da pessoa no prazo ajustado ou no previsto em lei, quando a pessoa nomeada se recusar a aceitá-la, ou ainda, quando a pessoa indicada era insolvente, e a outra pessoa o desconhecia no momento da indicação. (art. 470, I e II)

Outra hipótese de frustração do contrato ocorre se o nomeado for incapaz ou insolvente, ao tempo da nomeação, nos termos do art. 471 do CC/02.

Em tais situações, a condição resolutiva que poderia desvincular o estipulante do contrato não se implementou. Sendo assim, o contrato principal permanece válido e eficaz em relação aos contratantes originários. (art. 470, caput)





























Nenhum comentário:

Postar um comentário