EVICÇÃO
1.
Conceito e
Fundamento
Consiste a evicção na perda, pelo adquirente (evicto), da posse ou
propriedade da coisa transferida, por força de uma sentença judicial ou ato
administrativo que reconheceu o direito anterior de terceiro (evictor) sobre o bem
alienado. Ou
seja, é a perda da coisa diante de uma decisão judicial ou de um ato
administrativo que a atribui a um terceiro (TARTUCE, 2013, p. 210)
Etimologicamente, evicção provém do latim evincere, que significa ser
vencido num pleito relativo a coisa adquirida de terceiro (GONÇALVES, 2012,
p. 144). Em outros termos, consiste na perda parcial ou integral do bem, via de
regra, em virtude de decisão judicial que atribua uso, posse ou propriedade a
outrem em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição.
A evicção é uma garantia para resguardar o adquirente de uma alienação
a non domino. Funda-se, em
última análise, no princípio geral que veda o enriquecimento sem causa (art.
884) do Código Civil. Afirma-se, por isso, que o adquirente é protegido no
tocante à garantia da legitimidade jurídica do direito que lhe é transferido
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 485)
O fundamento da
evicção, assim como o vício redibitório, está no princípio da garantia, pois o
alienante, além de garantir a fruição efetiva da coisa, também deve assegurar o
direito do adquirente contra eventuais pretensões de terceiros. É dizer, em
suma: nos vícios redibitórios, a garantia é contra defeitos ocultos, enquanto
na evicção, a garantia é contra “defeitos do direito transmitido” (GONÇALVES,
2012, p. 142)
1.1.
Elementos
subjetivos ou Pessoais da Evicção
No intuito de
ilustrar a dinâmica da evicção, apresentaremos didaticamente quais são os
envolvidos na situação, para que a terminologia empregada neste tópico possa
ser assimilada facilmente pelo leitor. Assim, de acordo com Flávio Tartuce, são
personagens da evicção (2013, p. 213)
a)
O
alienante, aquele que transferiu a coisa viciada, de forma onerosa;
b)
O
evicto (o adquirente ou evencido), aquele que perdeu a coisa adquirida;
c)
O
evictor (ou evencente), aquele que teve a decisão judicial ou a apreensão
administrativa a seu favor
2.
Requisitos
2.1.
Aquisição onerosa de um bem
Semelhantemente
aos vícios redibitórios, a garantia da evicção só se aplica aos contratos
bilaterais, onerosos e comutativos, e não aos contratos unilaterais, gratuitos
e aleatórios. Com efeito, a garantia da evicção só se aplica aos contratos
onerosos, o que afasta a sua incidência das doações puras (art. 552).
Com efeito, a
evicção se aplica a contratos como a compra e venda, permuta, parceria
pecuária, transação (art. 845), sociedade (art. 1.005, do CC/02), transação,
bem como na dação em pagamento e na partilha do acervo hereditário (GONÇALVES,
2012, p. 143), que são contratos onerosos em geral, assim entendidos aqueles em
que ambas as partes “obtêm encargos e vantagens recíprocas” (FARIAS; ROSENVALD,
2015, p. 487)
Justamente por
isso, a evicção não se aplica à contratos gratuitos como a doação pura (art.
552), já que a perda do bem não representaria um prejuízo propriamente dito,
mas sim a perda de uma vantagem (FARIAS; ROSENVALD, 2015).
No entanto, o
doador responde pela evicção numa doação com certa e determinada pessoa, salvo
convenção em contrário. (art. 552, parte final). Por exemplo: ofereço um imóvel
para uma mulher se ela se casar com meu filho. Se o contrato for omisso, a lei
presume um dolo da minha parte, no sentido de que eu doei o bem somente para
atrair o interesse do outro nubente.
Também em
caráter excepcional, o doador responde pela evicção na doação onerosa (ou com
encargo) até o limite da prestação imposta.
Seja como for, uma diferença importante da
evicção em relação ao regime legal dos vícios redibitórios, é que o legislador
estabeleceu expressamente que a garantia da evicção prevalece até mesmo nas aquisições
em hasta pública.
Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante
responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha
realizado em hasta pública.
2.2.
Aquisição em
Hasta Pública
Quando ocorre,
portanto, a perda de um bem que foi adquirido através de uma arrematação em
hasta pública, deve-se aplicar analogicamente as regras da evicção para
permitir que o arrematante/evicto possa se voltar contra o executado para pedir
a devolução do preço pago, além das perdas e danos.
De acordo com
Alexandre Freitas Câmara (apud TARTUCE,
2013, P. 212), a responsabilidade recai inicialmente contra o executado, mas o
exequente, que também se beneficiou com o recebimento do valor pago, responde
subsidiariamente. Em suma, nesta perspectiva a responsabilidade direta e
imediata é do executado, enquanto a indireta ou subsidiária é do exequente.
Ainda para o
citado processualista, não há de se cogitar de responsabilidade do Estado, nem
solidariedade entre as partes, pois esta não se presume; decorre da lei ou da
vontade das partes (art. 265 do CC).
2.3.
(a posterior) perda da POSSE ou da PROPRIEDADE (determinada por) SENTENÇA ou
ATO ADMINISTRATIVO
2.3.1.
Por Ato Judicial ou Administrativo
É corrente se afirmar que a evicção
só ocorre diante da perda total ou parcial de um bem determinada por uma ordem judicial. No entanto, o Superior
Tribunal de Justiça vem decidindo que a garantia também assiste ao
adquirente/evicto que perdeu a posse do bem em razão de um ato administrativo,
como sucede na hipótese da apreensão de um veículo roubado REsp.
259.726/RJ
João foi até uma agência de veículos e se interessou por um dos
carros. O contrato foi formalizado, os valores foram pagos, operando-se a
tradição. João chegou a consultar o prontuário do Detran para se resguardar,
mas verificou que não tinha nenhum impedimento.
Certo dia, enquanto trafegava com seu novo veículo por uma avenida da
cidade, foi surpreendido por uma Blitz. O Policial responsável pela operação
consultou os registros e identificou que se tratava de um carro roubado. Dessa
forma, determinou a apreensão do veículo adquirido por João.
Nesse caso, ainda não houve a perda da Propriedade, o que só poderia
ser determinado por sentença em ação reivindicatória. Mesmo antes dessa
sentença, o adquirente pode acionar o alienante para a restituição dos valores
pagos.
2.3.2.
Trânsito em Julgado da Decisão
E mesmo quando a perda se dá em virtude de uma ordem judicial, não é
necessário o trânsito em julgado da decisão para que o evicto possa exercer o
seu direito contra o alienante. Isso acontece porque o Código Civil atual não
repetiu a mesma regra constante do CC/1916 (art. 1.117, I), que exigia o
trânsito em julgado da sentença para viabilizar o exercício do direito à
evicção.
Hoje, portanto, não mais se exige o trânsito em julgado, pois, como é
de conhecimento geral, se o evicto fosse esperar 5 a 10 anos para aguardar a
decisão definitiva de um processo, estaria seriamente comprometido com a
ineficácia do Poder Judiciário.
2. A evicção consiste na perda parcial ou integral do bem, via de regra, em virtude de decisão judicial que atribui o uso, a posse ou a propriedade a outrem, em decorrência de motivo jurídico anterior ao contrato de aquisição, podendo ocorrer, ainda, em virtude de ato administrativo do qual também decorra a privação da coisa. Precedentes. 3. A perda do bem por vício anterior ao negócio jurídico oneroso é fator determinante da evicção, tanto que há situações em que, a despeito da existência de decisão judicial ou de seu trânsito em julgado, os efeitos advindos da privação do bem se consumam, desde que, por óbvio, haja a efetiva ou iminente perda da posse ou da propriedade, e não uma mera cogitação da perda ou limitação desse Direito. 4. O trânsito em julgado da decisão que atribui a outrem a posse ou a propriedade da coisa confere o respaldo ideal para o exercício do direito oriundo da evicção. Todavia, o aplicador do direito não pode ignorar a realidade hodierna do trâmite processual nos tribunais que, muitas vezes, faz com que o processo permaneça ativo por longos anos, ocasionando prejuízos consideráveis advindos da constrição imediata dos bens do evicto, que aguarda, impotente, o trânsito em julgado da decisão que já há muito assegurava-lhe o direito. 5. No caso dos autos, notadamente, houve decisão declaratória da ineficácia das alienações dos imóveis litigiosos - assim como seu arresto - em virtude do reconhecimento de fraude nos autos da execução fiscal movida pelo Estado de Goiás contra a empresa Onogás S/A, que transferiu os referidos bens à recorrente, sendo certo que, em consulta ao sítio do Tribunal a quo, verificou-se a improcedência dos embargos à execução fiscal em 14/12/2012, em processo que tramita desde 1998. 6. Dessarte, a despeito de não ter ainda ocorrido o trânsito em julgado da decisão prolatada na execução fiscal, que tornou ineficaz a alienação dos bens imóveis objeto do presente recurso, as circunstâncias fáticas e jurídicas acenam para o robusto direito do adquirente, mormente ante a determinação de arresto, medida que pode implicar no desapossamento dos bens e que promove sua imediata afetação ao procedimento executivo futuro. 7. O exercício do direito oriundo da evicção independe da denunciação da lide ao alienante na ação em que terceiro reivindica a coisa, sendo certo que tal omissão apenas acarretará para o réu a perda da pretensão regressiva, privando-lhe da imediata obtenção do título executivo contra o obrigado regressivamente, restando-lhe, ainda, o ajuizamento de demanda autônoma. Ademais, no caso, o adquirente não integrou a relação jurídico-processual que culminou na decisão de ineficácia da alienação, haja vista se tratar de executivo fiscal, razão pela qual não houve o descumprimento da cláusula contratual que previu o chamamento da recorrente ao processo. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1.332.112/GO)
Seja como for, o evicto também não está obrigado a reclamar a evicção
antes do trânsito em julgado da sentença, pois a prescrição não corre enquanto
isso não ocorrer, nos termos do art. 199, III do Código Civil:
Art. 199. Não corre igualmente a
prescrição:
I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III
- pendendo ação de evicção.
Trata-se de uma causa impeditiva do prazo prescricional, pois somente
após o trânsito em julgado da sentença a ser proferida na ação em qeu se
discute a evicção, com a decisão sobre a destinação do bem evicto, é que o
prazo prescricional volta a correr. (TARTUCE, 2013, p. 213)
3.
Direito Anterior
de Terceiro
Pelo exposto, na
falta da cláusula de exclusão de garantia, a responsabilidade do alienante será
plena e abarca as seguintes parcelas, nos termos do art. 450:
è
O
valor do preço pago, a ser calculado no dia em que ocorreu a evicção;
è
Os
frutos que eventualmente o adquirente for obrigado a restituir ao terceiro;
è
Indenização
pelos danos emergentes e lucros cessantes
è
Custas
judiciais e honorários de advogado
Art. 450. Salvo estipulação em contrário,
tem direito o evicto, além da restituição integral do preço ou das quantias que
pagou:
I - à indenização dos frutos que tiver
sido obrigado a restituir;
II - à indenização pelas despesas dos
contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção;
III - às custas judiciais e aos honorários
do advogado por ele constituído.
Parágrafo único. O preço, seja a evicção
total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e
proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial.
Nota-se, portanto, que o valor a ser considerado para fixação do preço
do bem é aquele apurado no momento em que houve a perda efetiva da coisa, nos
termos do parágrafo único do art. 450.
4.
Espécies de
Evição
A evicção poderá
ser classificada como total ou parcial conforme “tenha alcançado a totalidade
da situação jurídica adquirida ou apenas alguns de seus elementos” (FARIAS;
ROSENVALD, 2015, p. 491)
a)
Total
Sendo total a evicção, o evicto terá o direito potestativo de exigir o
desfazimento do negócio, com restituição integral da quantia paga, apurada pelo
preço vigente ao tempo da evicção, além de exigir o pagamento de frutos,
despesas com o contrato, prejuízos diretamente relacionados à evicção, além de
custas e honorários de advogado.
b)
Parcial
Se a perda for
considerável, o evicto pode optar entre a rescisão do contrato ou pela
restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. Por outro
lado, não sendo considerável a perda, resta ao evicto apenas o direito à
indenização. Seria o caso do evicto que, num lote de 20 automóveis adquiridos,
tenha sido privado de 10 deles, por documentação falsa.
5.
Extensão da
Garantia
Não havendo
acordo para ampliar, reduzir ou excluir o direito do evicto contra o alienante,
a extensão da garantia é aquela assinalada pelo art. 450 do Código Civil:
Art. 450. Salvo estipulação em contrário,
tem direito o evicto, além da restituição integral do preço ou das quantias que
pagou:
I - à indenização dos frutos que tiver
sido obrigado a restituir;
II - à indenização pelas despesas dos
contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção;
III - às custas judiciais e aos honorários
do advogado por ele constituído.
Parágrafo único. O preço, seja a evicção
total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e
proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial.
Nota-se, assim,
que o objetivo é assegurar uma indenização integral ao evicto. A lógica é o
ressarcimento integral. Portanto, o evicto, a partir do momento em que não pode
ignorar que sua posse era de má fé, terá de ressarcir ao evictor os frutos
colhidos e percebidos no período em que esteve com o bem. Logo, este valor
poderá ser cobrado do alienante.
No mais, todas
as despesas com cartórios, registros, impostos, além de lucros cessantes (se o
evicto foi privado de um imóvel que tinha alugado, por exemplo) deverão ser
pagos pelo alienante.
a)
Qual será o
valor do preço a ser pago pelo alienante?
Quanto ao valor
do preço pago pelo bem, uma pergunta sempre é feita: o juiz deve considerar o
valor do bem no momento da aquisição ou no momento em que o evicto sofreu a
perda? O código oferece uma resposta ao estabelecer que “o preço [...] será o
do valor da coisa, na época em que se evenceu (art. 450, p. único). Época em
que se evenceu significa época em que
houve a perda, ou seja, a privação da posse do bem.
Com isso, a lei
parte do princípio de que o bem sempre tende a sofrer valorização (mais valia)
e que o alienante deve responder por ela. Contudo, ao contrário, muitos bens ficam
desvalorizados com o tempo, de modo que o alienante se beneficiaria se pagasse
o valor de acordo com o que ordena o código.
Em situação como
essa, não se deve interpretar à risca o art. 450, pois isso implicaria em
atribuir ao alienante uma vantagem indevida (enriquecimento sem causa). O
montante indenizatório deverá sempre corresponder à exata extensão dos danos,
nos termos do art. 944 do Código Civil.
b)
Sobre as
Deteriorações (Art. 451 e 452)
As deteriorações
ocorridas pelo desgaste natural também não poderão ser descontadas do preço,
salvo se causadas dolosamente pelo evicto (art. 451) ou se ele teve algum tipo
de vantagem (exemplo: cortou algumas árvores para vender lenha). Aqui, vale a
advertência de Caio Mario da Silva Pereira: “se a lei não quer que o adquirente
sofra prejuízo com a evicção, não a erige, entretanto, como fonte de
enriquecimento” (apud FARIAS;
ROSENVALD, 2015, p. 502). No caso, o valor das vantagens é que será levado em
conta para a dedução dos prejuízos.
c)
Sobre as
Benfeitorias (Art. 453)
Outro aspecto
que pode estar presente na questão da indenização é o que atine às
benfeitorias, que são melhorias (espécies de bens acessórios) introduzidas no
bem principal para sua conservação, melhoramento ou embelezamento. Assim, se o
evicto tinha consertado telhas, feito mais um banheiro na área externa da casa,
trocou pisos de um apartamento, não poderá ser privado do bem principal sem ser
indenizado por elas.
Inclusive se não
for indenizado o evicto pode invocar o direito de retenção do bem principal
enquanto não for ressarcido por elas. No que tange a este assunto, o código
impõe a responsabilidade pelo pagamento ao evictor, mas se este não abonar as
benfeitorias (leia-se: reembolsá-las), poderá cobrá-las do alienante.
Mas o alienante
acabaria por responder por uma benfeitoria que beneficiou o evicto! Não seria
injusto. Sim, mas cabe ao alienante, se for o caso, propor ação regressiva
contra o evictor.
Ainda sobre as
benfeitorias, a lógica do locupletamento indevido volta à tona quando o Código
Civil cogita (art. 454) a possibilidade das melhorias terem sido realizadas
pelo alienante, no tempo em que o bem ainda estava com ele. Se o evictor
reembolsá-las ao evicto, este receberia um valor por uma benfeitoria que não
fez. Logo, seria enriquecimento sem causa. Sendo assim, o alienante está
autorizado a descontar esses valores da indenização.
Como se vê, as
regras são simples, cansativas e ainda
apresentam terminologia pouco usual. Todas elas decorrem basicamente de
dois princípios: indenização integral (art. 944) e vedação ao enriquecimento
sem causa (art. 884)
6.
Cláusula de Reforço,
Redução ou Exclusão da Garantia (art. 448)
A evicção é uma
garantia legal. Por isso, não precisa estar expressa no contrato para ser
exercida. É certo, porém, que os contratantes podem negociar sobre o reforço, a
redução ou até mesmo a exclusão da garantia à evicção, como deixa claro o art.
448:
Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa,
reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.
Afirma-se, com
isso, que a evicção se submete ao “poder de autodeterminação dos contratantes”
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 503)
Dessa forma,
elas podem, por exemplo, criar uma cláusula que aumente as garantias do
adquirente, impondo uma pena de pagamento em dobro, caso ocorra a evicção. Por
outro lado, podem estabelecer que, na hipótese de evicção, o evicto só terá
direito à metade do valor do bem perdido e, finalmente, podem ajustar até mesmo
a exclusão da garantia à evicção (pactum
de non paaestanda evictione), isso desde que observados alguns parâmetros
legais.
6.1.
Cláusula de
Exclusão da Garantia
A lei não encara
muito bem a possibilidade de exclusão do direito à evicção, pois significaria
permitir uma situação de total desvantagem para o adquirente e enriquecimento
sem causa. A cláusula de exclusão não nasce com eficácia plena, pois está
submetida à restrições legais.
Diante disso,
mesmo diante de uma cláusula de evicção, o alienante responde ao menos pelo
preço da coisa em duas situações (art. 449)
è Quando o evicto
não soube do risco da evicção ou
è Mesmo quando foi
dele informado, não o assumiu.
Com efeito, a
partir de uma interpretação teleológica da regra constante do art. 449 do
CC/02, a cláusula de exclusão da garantia só prevalece totalmente quando o alienante
levar ao conhecimento os riscos possíveis em relação à perda da coisa, e o
adquirente, devidamente informado, tenha assumido expressamente esse risco
(através de uma declaração firmada em documento à parte, por exemplo).
A regra está em
sintonia com a boa fé objetiva que, por sua função integrativa, é fonte dos
deveres anexos, dentre os quais está o dever de informação e colaboração (art.
422)
Em tom didático,
então, pode-se afirmar que a cláusula de exclusão da garantia só é totalmente
excluída quando o dever de informação foi cumprido satisfatoriamente pelo
alienante e o adquirente tenha concordado e assumido o risco ao qual se
sujeitou (cláusula de assunção do risco). Do contrário, a despeito da cláusula
de exclusão, o adquirente pode exigir pelo menos o preço que pagou pela coisa,
para evitar o enriquecimento sem causa (art. 884 do CC)
A cláusula de
exclusão, portanto, deve estar acompanhada da cláusula de assunção do risco.
Somente assim, o adquirente assumirá a responsabilidade integral diante da
perda posterior do bem. O contrato, que era comutativo, passa então a ser
aleatório diante do evento futuro e incerto que pode comprometer a coisa
adquirida. Mesmo assim, tal cláusula não seria válida em contratos de adesão
(art. 424) ou de consumo (art. 51, I).
6.2.
Incoerências na
Evicção
Uma leitura
atenta do Código permite concluir que existem certas incoerências na disciplina
jurídica da evicção. Veja-se, por exemplo, que, numa perspectiva geral, o
contratante que age com dolo tende a ser punido com mais vigor pela lei.
Agora observe a
regra do art. 449: o alienante será responsabilizado pelo menos com o pagamento
do preço se o contrato contiver cláusula de exclusão da garantia, mas sem a
devida advertência ao adquirente. Já se o contrato não tivesse a cláusula de
exclusão, o alienante responderia por todas as verbas indenizatórias previstas
no art. 450.
Ou seja: o
alienante de boa fé, em contrato sem cláusula de exclusão, seria punido mais
severamente do que o alienante de má fé, no contrato que tenha cláusula de non praestanda evictione.
Essa é a
primeira incoerência.
A outra diz
respeito à má fé do adquirente. Pelo art. 449, a cláusula de exclusão só
prevalece se o evicto soube e assumiu o
risco da evicção. É o que se pode extrair da redação do mencionado
dispositivo:
Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a
garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o
preço que pagou pela coisa evicta, se não
soube do risco da evicção, ou, dele
informado, não o assumiu.
O que se pode
concluir, então, é que, se o adquirente sabia do risco (porque foi informado),
mas não o assumiu expressamente, tem direito de postular pelo menos o valor do preço que pagou.
No entanto, o
art. 557 dispõe que se adquirente conhecia o risco no momento da evicção, ele
não terá direito à garantia:
Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela
evicção, se sabia que a coisa era alheia
ou litigiosa.
Ou seja: independentemente de uma cláusula de
exclusão de garantia, a má fé do adquirente retira-lhe o direito de
demandar pela evicção. A contradição é notória, porque, pelo art. 449, se ele
soube do risco, mas não o assumiu expressamente, terá direito ao preço!
Afinal, o
adquirente que sabia do risco tem ou não direito ao preço? Ao meu sentir, a
única forma de proporcionar uma interpretação harmônica entre o art. 449 e 457
é separar duas situações:
No art. 449, o adquirente
que sabe do risco, mas não o assume expressamente. Embora conheça a existência
de eventuais ações correndo contra o alienante ao tempo da alienação, o
adquirente está de boa fé objetiva, pois assume um padrão de comportamento
leal. Justamente por isso, a lei lhe confere o direito de pedir pelo menos a restituição
do preço se ele vier posteriormente a sofrer a perda do bem.
Já a hipótese do
artigo 557 trata de situações que poderiam envolver fraudes. Por exemplo: Em
certo contrato, o evicto sabe que haverá a perda posterior do bem e
aproveita-se dessa situação para causar prejuízos para o alienante ou
terceiros.
Sobre o tema, é
oportuno mencionar o recente julgado que foi divulgado pelo STJ, que foi
disponibilizado em publicação recente neste blog:
Boa-fé
é requisito para o adquirente demandar pela evicção
“Reconhecida a má-fé do arrematante no momento da
aquisição do imóvel, não pode ele, sob o argumento de ocorrência de evicção,
propor a ação de indenização com base no artigo 70, I, do Código de Processo
Civil (CPC) para reaver do alienante os valores gastos com a aquisição do bem.”
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) isentou o Banco do Brasil da obrigação de indenizar
os arrematantes de um imóvel, que propuseram a ação indenizatória alegando a
ocorrência de evicção.
O imóvel havia sido hipotecado ao banco pelo pai.
Levado a leilão, foi arrematado pelos filhos, quando ainda estava pendente de
julgamento um mandado de segurança impetrado pelo pai para retomar a
propriedade. Após decisão favorável da Justiça no mandado de segurança, os
filhos entraram com a ação indenizatória pretendendo ter de volta os valores
pagos no leilão.
A Justiça de Goiás determinou que o dinheiro fosse
devolvido.
Indispensável
No STJ, a decisão foi reformada. De acordo com o
relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, a boa-fé do adquirente é
requisito indispensável para a configuração da evicção e a consequente extensão
de seus efeitos.
O ministro citou o artigo 457 do Código Civil,
segundo o qual “não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a
coisa era alheia ou litigiosa”. No caso, o Tribunal de Justiça de Goiás
reconheceu que os adquirentes tinham ciência de que o imóvel havia sido dado em
hipoteca por seu pai e foi levado a leilão quando havia um processo judicial
pendente.
A partir desses fatos, a Turma entendeu que não
houve boa-fé no momento da aquisição do bem, o que afasta o direito à
restituição dos valores com base na evicção.
7.
Como Exercer a Garantia da Evicção? (Aspectos Processuais)
Pois bem, visto que a garantia da evicção pode ser exercida quando a
perda, total ou parcial da coisa, geralmente acontece nos autos de um processo
judicial movido por um terceiro contra o adquirente, é de se perguntar acerca
dos meios pelos quais o evicto poderia exercer o seu direito de regresso contra
o alienante.
Na verdade o adquirente pode optar entre a denunciação da lide, forma
de intervenção de terceiros prevista no art. 70 do atual CPC. Nesse caso, a
denunciação deverá ser realizada no mesmo prazo da contestação (15 dias no procedimento
ordinário).
Mas o adquirente também pode exercer o seu direito por meio de uma
ação autônoma, valendo-se da sentença proferida na ação proposta pelo terceiro
como instrumento de prova para garantir o seu direito de reembolso.
Sobre a denunciação da lide, o Código Civil trouxe uma regra nova ao
permitir ao alienante a notificação do alienante imediato, ou dos anteriores.
Isso é o que a doutrina chama de denunciação
por saltos.
Para ilustrar, devemos pensar numa cadeia de alienações – A vende para
B, que vende para C, que vende para D. Posteriormente, aparece E, dizendo que
tem um direito anterior sobre o bem porque tinha penhorado o bem em um processo
de execução movido contra B.
Em tal situação, o adquirente/evicto D pode promover a denunciação da
lide contra C (o alienante imediato) ou contra B e A (alienantes
primitivos/anteriores). É claro que, dependendo da narrativa apresentada pelo
terceiro/evictor, não fará sentido promover a denunciação contra alienantes que
efetivamente não tenham nada a ver com a questão, pois isso poderá trazer ônus
processuais desnecessários, como custas e honorários advocatícios
sucumbenciais.
Tais informações resultam do exposto nos artigos 456 e art. 70 e 71 do
CPC:
Art. 456. Para poder exercitar o direito que da
evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato,
ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. (Vide
Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência)
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo
domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que
da evicção Ihe resulta;
Art. 71. A citação do denunciado será requerida, juntamente com a
do réu, se o denunciante for o autor; e, no prazo para contestar, se o
denunciante for o réu.
O interessante é que o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15),
que está em período de vacatio parece
ter criado certas restrições quanto à denunciação da lide, pois limitou a denunciação apenas ao alienante imediato.
Acredito que tais alterações ocorreram para evitar a notificação de
diversos alienantes, situação que poderia retardar a marcha processual. Enfim,
parece-me óbvio o intuito do legislador de promover a celeridade processual, já
que o evicto, em qualquer caso, pode
propor uma ação autônoma contra qualquer um dos alienantes anteriores.
Tais regras estão previstas no art. 125 da nova lei de procedimentos e
garantias processuais:
Art. 125. É admissível a denunciação
da lide, promovida por qualquer das partes:
I - ao alienante imediato, no processo
relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que
possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;
II - àquele que
estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o
prejuízo de quem for vencido no processo.
§ 1o O direito regressivo será exercido por
ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser
promovida ou não for permitida.
§ 2o Admite-se uma única denunciação
sucessiva, promovida pelo denunciado, contra seu antecessor imediato na cadeia
dominial ou quem seja responsável por indenizá-lo, não podendo o denunciado
sucessivo promover nova denunciação, hipótese em que eventual direito de
regresso será exercido por ação autônoma.
Só não vejo razão para restringir a denunciação ao alienante imediato.
Ora, se, no exemplo dado acima, o responsável pela perda do bem foi B, não faz
sentido o adquirente D ter que denunciar o C, para que este realize uma única
denunciação sucessiva contra B.
O novo CPC acha que entende sobre regras de legitimidade processual
ativa e passiva, mas incorre em erro grave dentro da sua própria área de
atuação. Ora, se B foi o responsável pela evicção, mesmo que não tenha uma
relação contratual (vínculo obrigacional) formado diretamente com D, sua dívida
para com o evicto teve repercussões na situação jurídica patrimonial de D. Isso
é um ilícito extracontratual. Logo, a legitimidade passiva decorre do vínculo
gerado pelo ilícito extracontratual e não contratual.