domingo, 3 de maio de 2015

EXTINÇÃO DOS CONTRATOS


 EXTINÇÃO DO CONTRATO

1.       Forma normal e anormal de extinção do contrato

Os vínculos obrigacionais que surgem são temporários, pois desaparecem após o cumprimento do contrato. Eles se extinguem com a realização de seu objeto consistente em uma obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa. O cumprimento da prestação corresponde, portanto, ao término do ciclo de existência do contrato. Espera-se, ainda, que as partes também cumpram os deveres anexos, impostos pela boa fé objetiva.

Em alguns casos, porém, algumas obrigações subsistem mesmo após o cumprimento do contrato. Basta lembrar do dever de lealdade que o alienante do estabelecimento empresarial deve observar após o cumprimento do contrato de trespasse, nos termos do art. 1.147 do Código Civil:

Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.             

Portanto, adimplida a obrigação e os deveres anexos, o devedor tem direito ao recibo de pagamento. Na sua falta, o devedor pode recusar a prestação que lhe compete, caracterizando a mora do credor. E mais: caso este se recuse indevidamente ao recebimento da prestação, o devedor poderá propor uma ação de consignação em pagamento, de forma judicial ou extrajudicial, conforme prevê o art. 334 do Código Civil (TARTUCE, 2014, p. 229).

Por vezes, porém, o contrato se extingue sem o cumprimento das obrigações por causas anteriores, contemporâneas ou supervenientes à sua formação.

Na tarefa de sistematizar o capítulo sobre a extinção dos contratos, utilizaremos do esquema proposto por Orlando Gomes, no seguinte sentido:

As causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato determinam a sua extinção por anulação. Se a causa extintiva, entretanto, for posterior, tem-se a dissolução, que se verifica pelos seguintes modos: resolução, resilição e rescisão. (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 518)

Com efeito, as hipóteses de nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos são apontadas como causas anteriores ou contemporâneas, pois o defeito antecede ou surge concomitantemente ao momento de formação do contrato. Já a morte, a resolução, ou a resilição, são causas que aparecem posteriormente, e que extinguem o contrato de forma anômala, isto é, com frustração do objetivo idealizado pelas partes.

O Código Civil disciplina a matéria nos arts. 472 a 480, mas não esgota o conteúdo. É preciso, portanto, buscar apoio na doutrina. Mesmo assim, não é tarefa simples a sistematização da matéria. Muitos conceitos ainda não são compartilhados pelos autores, de maneira harmônica.

2.       Causas Anteriores ou Concomitantes à Celebração

Na síntese precisa de Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 179), “as causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato são: a) defeitos decorrentes do não preenchimento de seus requisitos subjetivos (capacidade das partes e livre consentimento), objetivos (objeto lícito, possível, determinado ou determinável) e formais (forma prescrita em lei), que afetam a sua validade, acarretando a nulidade absoluta ou relativa (anulabilidade); b) implemento da cláusula resolutiva, expressa ou tácita; e c) exercício do direito de arrependimento convencionado.”

2.1.              Contrato Inexistente, Nulo ou Anulável.

Conforme visto na parte geral do Direito Civil, o negócio (contrato) pode ser nulo (art. 166 e 167) ou anulável (art. 171). Há quem defenda, ainda, um defeito mais grave que a nulidade, que seria a própria inexistência do contrato.

2.1. Contrato Inexistente

Contrato inexistente, nesta perspectiva, seria aquele em que faltam alguns dos elementos que constituem o seu pressuposto fático (agente, objeto, forma e vontade). Assim, devido à ausência, por exemplo, da vontade, o negócio seria inexistente e, como tal, não seria apto a produzir efeitos na órbita jurídica.

A inexistência seria, portanto, para quem a defende, um defeito caracterizado pela ausência dos pressupostos fáticos do negócio jurídico – agente, objeto e forma – ou de elementos essenciais à formação de um determinado contrato (na compra e venda, por exemplo, o consenso das partes quanto ao objeto e ao preço é um elemento essencial – art. 481).

Nesta perspectiva, o negócio inexistente seria um nada jurídico e, como nenhum efeito pode resultar de um “nada”, o contrato não produziria efeitos jurídicos.

Embora a teoria da inexistência seja defendida por notáveis juristas, como Álvaro Villaça de Azevedo, acompanho Silvio Rodrigues, que ataca a tese, dizendo que é inexata, inútil e inconveniente.

2.2.              Contrato INVÁLIDO.
Nulo (Nulidade Absoluta) e Nulidade Relativa (Anulabilidade)

A título de recordação, as causas de nulidade do contrato estão previstas no art. 166 e 167 do Código Civil, mas há também hipóteses de nulidade previstas na parte especial do Código, como a doação universal (art. 548), na transação, feita no seguro de pessoas, para pagamento reduzido do capital segurado (art. 795) etc.  

As causas de nulidade estão distribuídas da mesma forma. Há um rol na parte geral (art. 171) e previsões dispersas pelo Código (art. 496, 1.649). Não é nosso objetivo fazer uma análise minuciosa desse assunto, que deve ser visto com detalhes na parte geral do Direito Civil.

3.       Extinção por Fatos Supervenientes

Prosseguindo na sistematização da matéria, a doutrina aponta a existência de fatos/causas que surgem posteriormente à formação do vínculo contratual e que podem suprimir a sua eficácia. Tais fatos destroem “a expectativa de plena realização do fim expresso no contrato”. (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 524). Em situações como essa, ocorre a dissolução, termo genérico utilizado para englobar a resolução, a resilição e a extinção do contrato ocasionada pela morte de um dos contratantes, como ocorre nos contratos personalíssimos.

3.1.              Divergências quanto ao Significado Técnico do Termo RESCISÃO

Não existe consenso a respeito do sentido técnico da expressão “rescisão” no direito contratual brasileiro. O Código Civil utiliza a expressão de forma aleatória e indiscriminada, sem demonstrar a existência de um significado preciso para o termo. Vejamos alguns exemplos:

Art. 455. Se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. Se não for considerável, caberá somente direito a indenização.

Art. 607. O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes. Termina, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contrato mediante aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do contrato, motivada por força maior.

Art. 810. Se o rendeiro, ou censuário, deixar de cumprir a obrigação estipulada, poderá o credor da renda acioná-lo, tanto para que lhe pague as prestações atrasadas como para que lhe dê garantias das futuras, sob pena de rescisão do contrato.

No entanto, o Código não foi preciso ao empregar o termo em tais situações, pois a hipótese de extinção de que tratam os artigos mencionados, respectivamente, seriam redibição (art. 455 extinção justificada pela existência de um defeito de direito no objeto alienado), resilição (art. 607 – forma de extinção do contrato operada mediante denúncia) ou resolução (art. 810 – forma de extinção contratual relacionada com o inadimplemento).

Diante desta incongruência legal, uma corrente de autores, que buscaram inspiração em Messineo, Enzo Roppo e Orlando Gomes, sustenta que a evicção é uma forma específica de extinção do contrato, que ocorre quando caracterizada a lesão ou o estado de perigo.

Neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves afirma que o termo “deve ser empregado, em boa técnica, nas hipóteses de dissolução de determinados contratos, como aqueles em que ocorreu lesão ou que foram celebrados em estado de perigo”. (2012, p. 208)

Por sua vez, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, apoiados em Miguel Maria de Serpa Lopes, sustentam que o sentido gramatical da rescisão “é o que corresponde à ruptura do contrato em face de uma nulidade” (2012, p. 297)

Já César Fiuza, por sua vez, faz um apanhado de alguns significados para a expressão, ao afirmar que “a rescisão é a revogação de sentença judicial por ação denominada rescisória. Outro emprego para a palavra rescisão é o de anulação. Daí se falar em rescisão lesionaria. A palavra rescisão é muito comumente empregada no mesmo sentido de resolução, enquanto extinção havida por culpa ou dolo de uma das partes  que a torna impraticável a execução do contrato ou que não o executa.” (2010, p. 196)

Por fim, Cristiano Farias e Nelson Rosenvald, após traçar um panorama geral da matéria entre autores clássicos, defendem que a rescisão é a forma de extinção do contrato que “reflete um vício objetivo contratual que perturba a equivalência material dos contratantes. Assim é no vício redibitório (art. 441, CC), pela deficiência de qualidade do objeto; igualmente na evicção (art. 441, CC) por não proceder o direito do real titular e, finalmente, na lesão e no estado de perigo, como negócios jurídicos em que objetivamente se identifica uma extrema desproporção entre as prestações [...]” (2015, p. 540)

Apesar da divergência entre os autores a respeito do significado do termo “rescisão”, para o direito contratual, ficamos com Flávio Tartuce (2014), para quem a rescisão é um termo genérico, que consiste em toda a forma de extinção do contrato por fatos supervenientes ou posteriores à sua formação.

Dessa forma, a rescisão, como gênero, comporta as seguintes espécies: a resolução, que é uma forma de extinção do contrato motivada pelo descumprimento/inadimplemento e a resilição, que por sua vez é uma hipótese de extinção do contrato por mútuo consentimento (resilição bilateral ou distrato) ou pela vontade de uma das partes (resilição unilateral), quando isso for admissível por lei, de forma expressa ou implícita pelo reconhecimento de um direito potestativo. (TARTUCE, 2014)

3.2.              Resolução

3.2.1.                     Conceito

A resolução contratual sempre é motivada pelo inadimplemento, ou seja, pela inexecução do contrato. Ela surge, assim, como um remédio para um fato superveniente (inadimplemento) que rompe com o equilíbrio econômico do contrato (sinalagma). Ou seja, “a extinção do contrato mediante resolução tem como causa a inexecução ou incumprimento por um dos contratantes”. (GONÇALVES; 2012, p. 185)
  
Sendo assim, em caso de inadimplemento absoluto, hipótese em que a prestação não foi cumprida e nem poderá sê-lo, abre-se margem para o credor pleitear a resolução contratual (art. 475). Trata-se, portanto, de um direito potestativo de exigir o desfazimento da relação jurídica, com o retorno à situação originária.

Nesta ordem de ideias, a resolução desconstitui a relação obrigacional e promove a liberação do devedor de cumprir aquela prestação (eficácia liberatória da resolução), mas, por outro lado, ela cria uma relação de liquidação, pela qual as partes ficaram obrigadas a restituir (eficácia restituitória) as prestações que foram recebidas.

O acórdão abaixo transcrito retrata com perfeição o que foi dito sobre o conceito e a eficácia da resolução contratual: (RESP 1.286.144-MG):

“1. Decretada a resolução do contrato de promessa de compra e venda, deve o juiz, ainda que não tenha sido expressamente provocado pela parte interessada, determinar a restituição, pelo promitente vendedor, das parcelas do preço pagas pelos promitentes compradores. 2. Concretização da eficácia restitutória da resolução, aplicável em benefício das duas partes do contrato, como consequência natural da desconstituição do vínculo contratual.”

3.2.2.                     Inadimplemento Absoluto

Como dito, o que autoriza a resolução do contrato é o inadimplemento absoluto: a prestação não foi cumprida e não poderá ser executada, seja porque ela já não interessa mais ao credor, seja porque houve perecimento do objeto. Em qualquer caso, é necessário que o não cumprimento invocado por quem pede a resolução “seja razoavelmente sério e grave, e prejudique, de modo objetivamente considerável, o seu interesse”

3.2.3.                     Efeitos da Resolução Contratual

A resolução contratual como regra produz efeitos ex tunc, pois dissolve a relação jurídica, criando deveres de restituição entre as partes. Excepcionalmente, os efeitos poderão ser ex nunc, como acontece em alguns contratos de trato sucessivos como prestação de serviço e locação.

3.2.4.                     Forma para o Exercício do Direito à Resolução Contratual

A resolução “é um remédio concedido à parte para romper o vínculo contratual mediante ação judicial” (GOMES apud GONÇALVES, p. 185). A resolução é um direito potestativo na medida em que o credor poderá optar pela dissolução do vínculo contratual sem depender de nenhum comportamento específico do devedor para isso.

O direito à resolução é na realidade um efeito natural do contrato. Por isso é que todo contrato bilateral tem uma cláusula resolutiva tácita. No entanto, como geralmente é longo e tortuoso o caminho de se obter a resolução pela via judicial, em razão da morosidade do Poder Judiciário, é possível que os contratantes pactuem uma cláusula resolutiva expressa, que proporciona o desfazimento automático do vínculo contratual na hipótese de inadimplemento.

Ou seja, se o contrato prevê cláusula resolutiva expressa, a extinção se opera de pleno direito, como dispõe o art. 474 do Código Civil: Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

3.2.5.                     Cláusula Resolutiva Expressa

A cláusula resolutiva expressa (também conhecida como pacto comissório contratual) é um elemento acidental previsto no contrato, que pode levar à sua extinção, diante da ocorrência de um evento futuro e incerto cogitado pelas partes, como o não pagamento da obrigação.

Em termos mais simples, “a cláusula resolutiva expressa concerne a uma previsão contratual de imediata resolução em caso de inadimplemento da parte”. (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 525)

Assim, as partes podem estipular que o contrato estará resolvido automaticamente com a falta do pagamento das prestações. O Enunciado 436 do CJF reforça a previsão normativa do Código Civil:

436 – Art. 474: A cláusula resolutiva expressa produz efeitos extintivos independentemente de pronunciamento judicial.

Podemos, portanto, separar duas espécies de cláusulas resolutivas. A expressa, que resulta da autonomia privada e consta do instrumento contratual, e a tácita, que está presente implicitamente em todos os contratos bilaterais e sinalagmáticos, independente de uma previsão escrita. Isso acontece porque o credor pode, diante do inadimplemento, optar pela resolução do contrato ou exigir o seu cumprimento, com perdas e danos, em ambos os casos (art. 475).

3.2.5.1.                            Contratos que Não Admitem a Cláusula Resolutiva Expressa

Em que pese a expressão previsão legal no sentido de que a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito (ou seja, promove a dissolução automática do contrato), de acordo com a doutrina e jurisprudência majoritárias, não são todos os tipos de contrato que comportam a inclusão de uma cláusula resolutiva expressa.

Em linha de princípio, admite-se a inclusão de uma cláusula como essa nos contratos paritários em geral, mas ela é vista como nula nos contratos de consumo e nos contratos de adesão. Assim, mesmo diante do inadimplemento, a cláusula resolutiva não opera de pleno direito em certos contratos, pois é necessário fazer uma notificação premonitória para configurar o devedor em mora.

Nesses casos, “a notificação assume a feição de pressuposto essencial para a eficácia da dissolução da avença” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 527).

Vejamos alguns exemplos:

a)       Compromisso de Compra e Venda de Imóveis Loteados

A notificação premonitória é pressuposto essencial para a eficácia da dissolução nas promessas de compra e venda de imóveis loteados (art. 22, do Dec-Lei 58/37 e art. 32 da Lei 6.766/79)

b)       Contrato de Seguro

Ao contrário do que indica o art. 763, para a doutrina e jurisprudência a resolução do contrato depende de prévia interpelação. Inclusive a jurisprudência pacífica do STJ considera nula a cláusula resolutiva expressa (art. 474[4]), que considera extinto o contrato pela falta de pagamento do prêmio na data do vencimento.

Argumentos para tais entendimentos é o que não falta. Para se ter uma ideia, nas jornadas de Direito Civil foi aprovado o seguinte Enunciado:

Enunciado n. 376, da IV Jornada:

376 - Para efeito de aplicação do art. 763 do Código Civil, a resolução do contrato depende de prévia interpelação.

Os responsáveis pelo Enunciado acima, Guilherme Couto de Castro e Marcos Jorge Catalan, não apresentaram, no meu ponto de vista, argumentos sólidos para justificar este posicionamento. Chegaram a mencionar argumentos de autoridade, ao dizer que no direito comparado é preciso a notificação prévia (direito português, italiano e espanhol). Ademais, mencionaram proposta de alteração do art. 763 que pretende incorporar no texto a necessidade de interpelação e disseram que as seguradoras contabilizam lucros astronômicos que ultrapassam, no Brasil, os 40 bilhões de reais anuais. (CASTRO; CATALAN apud TARTUCE, 2014)

Mas não há dúvida alguma que a jurisprudência do STJ acolhe este posicionamento, como se infere do julgado abaixo (AgRg no REsp 1.255.936/PE):

1. O atraso no pagamento de prestações do prêmio do seguro não determina a resolução automática do contrato de seguro, exigindo-se a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mostrando-se indevida a negativa de pagamento da indenização correspondente. 2. Incidência da súmula 83/STJ. 3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

Mas tudo tem seu limite. Em certo julgado o STJ reconheceu que o atraso de 15 meses, sem a devida notificação, configurou situação de abuso, e aí sim entendeu-se que o segurado estava em atraso (em mora). Veja a ementa do julgado (REsp 842.408/MG):

SEGURO DE VIDA. ATRASO NO PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE INTERPELAÇÃO. - Normalmente, para que se caracterize mora no pagamento de prestações relativas ao prêmio é necessária a interpelação do segurado. Mero atraso não basta para desconstituir a relação contratual. - A cláusula de cancelamento do seguro sem prévia notificação deixa de se abusiva, se o segurado permanece em mora há mais de 15 (quinze) meses. - Em homenagem à boa-fé e à lógica do razoável, atraso superior a um ano não pode ser qualificado como "mero atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro" (REsp 316.552/PASSARINHO, grifei). A ausência de interpelação por parte da seguradora não assegura, no caso, o direito à indenização securitária.

c)       Leasing ou Arrendamento Mercantil

A inadmissibilidade da cláusula resolutiva expressa no contrato de leasing ou arrendamento mercantil decorre do que está previsto no enunciado da Súmula 369 do STJ: No contrato de arrendamento mercantil (leasing), ainda que haja cláusula resolutiva expressa, é necessária a notificação prévia do arrendatário para constituí-lo em mora.

3.2.6.                     Espécies de Resolução Contratual

A resolução é a forma de extinção do contrato em razão do inadimplemento. É possível distinguir algumas modalidades de resolução a partir da causa do descumprimento ou da inexecução do contrato.

3.2.6.1.                            Inexecução Voluntária

a)       Consequências da Inexecução Voluntária

A inexecução voluntária decorre do comportamento culposo de um dos contratantes (GONÇALVES, 2012, p. 186). É o caso, por exemplo, de alguém que não avalia adequadamente se a prestação de um financiamento está dentro do seu orçamento mensal, e por isso torna-se inadimplente; é o exemplo da construtora que também não avalia corretamente o prazo necessário para a conclusão de uma obra, e assim incorre em atraso na entrega do imóvel. Por fim, também é a hipótese de alguém que firma um contrato, já sabendo que não iria cumprir com a obrigação (alguém que paga uma conta com uma folha de cheque, mas sabe que não terá provisão de fundos para o desconto do título).

O inadimplemento voluntário obriga o devedor ao pagamento das perdas e danos, que por sua vez incluem os danos materiais e os lucros cessantes:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Essas consequências decorrentes do inadimplemento só não serão aplicadas quando o devedor apresentar justificativas para tanto. Assim, dentre as várias defesas que poderiam ser apresentadas, pode-se citar a prescrição, o pagamento, a compensação e a exceção do contrato não cumprido (art. 476 e 477).

Com efeito, a exceção do contrato não cumprido está prevista no capítulo relativo à extinção do contrato, mas representa mais corretamente uma forma de defesa que a parte poderia alegar em seu proveito. Isso acontece porque a exceptio non adimpleti contractus é a princípio uma forma que autoriza a suspensão do cumprimento da obrigação.

b)       Exceção do Contrato Não Cumprido

Se o contrato é bilateral, uma pergunta já pode ser feita: quem deve cumprir primeiro a obrigação? Em certos contratos, a lei tenta estabelecer um critério. Assim, por exemplo, na compra e venda, existe a seguinte regra: “Art. 491. Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço.” Ou seja: na hipótese acima, é o vendedor quem deve cumprir primeiro a sua obrigação. Ele não pode exigir a entrega da coisa sem efetivar o pagamento do preço.

Já na prestação de serviço, na ausência de convenção ou de um costume em sentido contrário, quem deve cumprir primeiro a sua obrigação é o prestador de serviço, nos termos do art. 597: “A retribuição pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção, ou costume, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações.”

Nas demais situações, o ideal é que ocorra uma execução simultânea da obrigação. Neste sentido, uma parte não pode exigir que a outra cumpra obrigação antes de cumprir a sua.

Por exemplo: suponha que A celebrou uma promessa de compra e venda de imóveis com a construtora X. O promitente comprador (A), embora tenha feito o pagamento de grande parte das parcelas, deixou de quitar uma ou duas prestações, além de outros encargos (taxas, comissões, correção, juros etc).

No final do prazo, o promitente comprador A pede a entrega das chaves e a assinatura da escritura definitiva de compra e venda, mas a construtora alega, em sua defesa, que não poderá fazê-lo enquanto o promitente comprador não quitar aquelas parcelas pendentes.

Note que o contrato de promessa de compra e venda é bilateral, pois possui direitos e obrigações para ambas as partes. Para o promitente comprador, o dever de pagar o preço e o direito da entrega das chaves e da assinatura da escritura de compra e venda. Já para o promitente comprador, o dever é o de entrega das chaves e outorga da escritura, enquanto que o direito é o recebimento do preço.

No entanto, por desentendimento, A propõe ação de adjudicação compulsória, pedindo que a construtora entregue as chaves do imóvel e assine a escritura de compra e venda. No entanto, a construtora, em sua defesa, argui a chamada exceção do contrato não cumprido, prevista no artigo 476 do Código Civil:

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

Esta defesa, também chamada de exceptio non adimpleti contractus, pode ser alegada pelo réu, na contestação de uma ação em que a outra parte exige o cumprimento da obrigação, mas sem ter cumprido a sua. Observe que não se discute, a princípio, o conteúdo do contrato, não se nega a existência da obrigação (GAGLIANO; FILHO, 2012, p. 302).

A exceção funda-se no princípio da boa fé objetiva, especificamente na função de controle, pelo mecanismo tu quoque (não faça aos outros aquilo que não queira que façam a ti mesmo, ou ainda, aquele que não cumpre seus deveres não pode exigir que o outro cumpra suas obrigações com base na norma violada). (ROSENVALD; CHAVES, 2011, p. 629)

Ou ainda, a exceção do contrato não cumprido “é um meio de defesa, pelo qual a parte demandada pela execução de um contrato pode arguir que deixou de cumpri-lo pelo fato da outra ainda também não ter satisfeito a prestação correspondente” (GAGLIANO; FILHO, 2012, p. 301)

Portanto, a exceção do contrato não cumprido só tem cabimento nos contratos bilaterais. Não faz sentido aplicar este instituto em contratos unilaterais, pois, como visto, só uma das partes tem direitos ou obrigações. Para ilustrar, vejamos um exemplo de aplicação recente da exceção do contrato não cumprido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO COMINATÓRIA - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - OUTORGA DE ESCRITURA - AUSÊNCIA DE PROVA DO PAGAMENTO DO PREÇO - EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. DECLARAÇÃO ESCRITA DE TESTEMUNHA - INADMISSIBILIDADE COMO PROVA EM JUÍZO. 1- A pretensão de outorga de escritura, fundada na celebração decontrato de promessa de compra e venda, exige a prova do pagamento do preço, sob pena de aplicação da cláusula da exceção docontrato não cumprido, prevista no art. 476 do Código Civil. 2- A lei processual civil prescreve o procedimento a ser adotado para se colher o depoimento de testemunhas, de modo que declaração escrita não tem valor probante, não sendo meio hábil para fazer prova dos fatos declarados. (TJMG, 1.0313.10.004710-6/001, 18ª Câm. Cível, Des. Rel. Octávio Augusto de Nigris Boccalini., DJ 09/03/15)

A alegação da exceção do contrato não cumprido, pelo réu, na contestação, não visa a extinção do contrato. Ela serve apenas como um “modo de oposição temporária à exigibilidade do cumprimento da obrigação”.

Quanto aos aspectos formais e procedimentais, a exceção é adequadamente arguida em preliminar de mérito da contestação, como uma defesa indireta de mérito ou uma exceção substancial dilatória. xser extinta sem resolução do mérito, pois falta interesse de agir ao autor que exige o cumprimento de obrigação, quando não cumpriu a sua.

CIVIL E PROCESSO CIVIL. EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS. EFEITO PROCESSUAL. A exceção de contrato não cumprido constitui defesa indireta de mérito (exceção substancial); quando acolhida, implica a improcedência do pedido, porque é uma das espécies de fato impeditivo do direito do autor, oponível como preliminar de mérito na contestação (CPC, art. 326). Recurso especial conhecido e provido. (REsp 673.773/RN)

c)       Exceção de Inseguridade (Exceptio Non Rite Adimpleti Contractus)

A exceção de garantia, também conhecida como exceptio no rite adimpleti contractus, também tem relação direta com os contratos bilaterais, mas com uma diferença em relação à exceção do contrato não cumprido.

Veja, o nome do instituto é sugestivo. Exceção de garantia é uma defesa pela qual um contratante, tendo justo receio de que o outro não terá condições de cumprir sua obrigação, poderá recusar-se à obrigação que lhe incumbe, até que aquele satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

É o que dispõe o art. 477 do Código Civil:


Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
  
A título de ilustração, suponha que, num contrato de permuta (troca), o permutante A teria de cumprir sua prestação de entregar o automóvel após receber uma carga de computadores de B. Todavia, antes do vencimento da obrigação de B, o automóvel de A foi penhorado em execução promovida por outro credor. (CHAVES; ROSENVALD, 2011)

No caso, há uma evidente redução do patrimônio do permutante A, que teve seu carro penhorado. Consequentemente, aumentou drasticamente o risco do negócio para B, que tinha a expectativa de que o carro fosse entregue após a entrega da carga de computadores.

Assim, nesta modalidade de exceção, aquele que tinha que cumprir primeiro pode sobrestar o cumprimento da sua obrigação até que o outro contratante cumpra a prestação que lhe compete ou dê garantias idôneas, nos termos do Art. 477:

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

As garantias podem ser reais, quando recaem sobre coisas, como móveis e imóveis (penhor e hipoteca) ou podem ser fidejussória, quando são pessoais (aval e fiança).

3.2.7.                     Inexecução Involuntária

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “a resolução pode também decorrer de fato não imputável às partes, como sucede nas hipóteses de ação de terceiro ou de acontecimentos inevitáveis, alheios à vontade dos contraentes, denominados caso fortuito ou força maior, que impossibilitam o cumprimento da obrigação. (GONÇALVES, 2012, p. 192)

Neste particular, seguimos o entendimento de Flávio Tartuce, para o qual o caso fortuito é o evento totalmente imprevisível e a força maior é o evento previsível, porém inevitável, ambos alheios à vontade das partes. (TARTUCE, 2014)

Assim, a inexecução involuntária “caracteriza-se pela impossibilidade superveniente de cumprimento do contrato.” (GONÇALVES, 2012, p. 19).

O inadimplente não fica, nesse caso, responsável pelo pagamento das perdas e danos, salvo se expressamente se obrigou a ressarcir os prejuízos, se estava em mora no cumprimento de sua obrigação, ou em certas situações excepcionais previstas no código civil (art. 535 e 583 do Código Civil). A regra, no entanto, é que a parte inadimplente não sofrerá os prejuízos, pois o fato se deu por circunstâncias alheias à sua vontade.

Sobre a matéria, conferir os artigos 393, 399, 535 e 583 do CC:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

Art. 583. Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força maior.

Neste sentido, uma questão formulada pelo TJPR para a vaga de assessor jurídico abordou o tema da inexecução involuntária. Vejamos o disposto na questão:

Eleutério firmou contrato de compra e venda de uma moto marca Uz, modelo Az, com Atanagildo. No momento da assinatura do contrato, Eleutério pagou a Atanagildo a importância de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a título de sinal de negócio. Para infelicidade de ambos, no dia da entrega, a moto foi roubada. 
Quanto a esse caso, assinale a alternativa correta.
A)        Atanagildo tem a opção de entregar a Eleutério outra motocicleta, em substituição àquela que fora roubada.
B)        Caso Atanagildo alegue a existência de caso fortuito, não há que se falar em resolução do contrato.
C)        O contrato firmado pelas partes sofrerá resolução, em virtude da falta superveniente do objeto, e o valor pago como sinal será restituído.
D)        Eleutério pode exigir de Atanagildo a entrega de outra moto. 

Diante do que foi exposto, a alternativa a ser assinalada é a LETRA C, já que o roubo da moto foi uma circunstância alheia à vontade do devedor.

3.2.8.                     Inexecução Por Onerosidade Excessiva.

A onerosidade excessiva foi examinada na ocasião do estudo do princípio da justiça contratual, que trata do equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Assim, diante da alteração superveniente das condições, abre-se a possibilidade para o prejudicado pleitear a revisão ou a resolução do contrato. O Código Civil contém previsões que buscam evitar a resolução, embora reconheça a possibilidade do contrato ser mesmo extinto em certas situações.

Neste contexto, os requisitos previstos para se pedir a revisão do contrato são menos rigorosos e constam do artigo 317 do Código Civil:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Já os requisitos necessários à resolução do contrato constam do art. 478:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Na comparação entre os requisitos exigidos em um e no outro caso, tem-se o seguinte esquema:

REVISÃO
RESOLUÇÃO

Acontecimento superveniente imprevisível

Onerosidade excessiva



Acontecimento superveniente imprevisível e extraordinário (álea extrordinária)
Onerosidade excessiva
Extrema vantagem para a outra parte.

Mesmo com o preenchimento dos requisitos rigorosos previstos no art. 478, o art. 479 dispõe que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.”

Diante disso, fica evidente que a legislação impõe inúmeros obstáculos para a resolução do contrato, seja criando requisitos impraticáveis para tanto, ou ainda, estabelecendo que a resolução poderá ser evitada em certas hipóteses. Tais disposições, portanto, estão orientadas para a realização do princípio da conservação do contrato.

Neste sentido, na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado nº 367:

367 – Art. 479. Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório.

Ou seja: de acordo com este enunciado doutrinário, a revisão do contrato pode ser determinada pelo juiz, mas somente após a oitiva do autor da demanda, para verificar se as condições propostas pelo réu estariam dentro das possibilidades do primeiro.

3.3.              Resilição

A resilição não deriva do inadimplemento contratual, mas unicamente da manifestação de vontade, que pode ser bilateral ou unilateral. Etimologicamente, resilir provém do latim resilire, que significa “voltar atrás”. Nesta perspectiva, cuida-se a resilição “da extinção do contrato por simples declaração de vontade de uma ou das duas partes contratantes” (GOMES apud FARIAS; ROSENVALD, 2015, P. 530)

De acordo com este conceito, a resilição pode ser bilateral, quando resulta de um acordo de vontades direcionado à extinção do contrato, ou unilateral, quando expressa a “faculdade do contratante de se desligar unilateralmente do vínculo.” (FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 530)

3.3.1.                     Distrato

Quanto às regras sobre o distrato, dispõe o art. 472 do Código Civil que: o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

O dispositivo impõe uma simetria de formas: se o contrato foi firmado de modo verbal, o distrato faz-se de forma verbal, se firmado por escrito, faz-se por escrito; se, finalmente, foi feito por escritura pública, deve ser desfeito pela mesma via.

 Nada impede a adoção de uma forma mais solene para o distrato, pois a maior formalidade observada pelas partes em nada os prejudicaria. Por exemplo: um contrato de locação verbal extinto por um distrato por instrumento particular. 

Outro detalhe é que a lei não impõe a mesma forma que a do contrato, mas a mesma forma exigida para o contrato. Portanto, se um contrato de promessa de compra e venda foi celebrado por escritura pública, o distrato poderá ser feito por instrumento particular, pois a lei não exige escritura pública para a celebração válida desta espécie contratual.

Já a quitação pode ser dada sempre por instrumento particular, nos termos do art. 320 do Código Civil:

Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.
  
3.3.2.                     Resilição Unilateral

a)       Conceito e Previsões Legais

A resilição unilateral é um direito potestativo assegurado ao contratante no sentido de impor a extinção do contrato nas hipóteses em que a lei expressamente ou implicitamente a autoriza. Portanto esse poder liberatório não é reconhecido a todo e qualquer tipo de contrato.

De maneira geral, pode-se afirmar que a resilição, quando não tem previsão expressa, decorre implicitamente de um contrato que se baseia na relação de confiança, como ocorre no comodato, no mandato e na fiança, ou em contratos por prazo indeterminado, já que ninguém é obrigado a manter-se preso ao vínculo contratual eternamente (art. 5º, XX, da CR/88).

Neste contexto, pode-se apontar uma previsão expressa do direito à resilição unilateral no art. 599 do Código Civil, disposição que cuida do contrato de prestação de serviços:

Art. 599. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio aviso, pode resolver o contrato.

Observa-se apenas que o Código Civil não aplicou a técnica contratual correta, pois mencionou a expressão resolver o contrato, quando o certo seria “resilir o contrato.” Perceba, ainda, que o dispositivo se refere a um contrato de prestação de serviço por tempo indeterminado.

O direito potestativo à resilição também aparece em outras espécies contratuais, porém com terminologia distinta. Veja-se, por exemplo, que o fiador poderá “exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.”

A exoneração do fiador, portanto, é uma espécie de resilição típica do contrato de fiança. Agora um detalhe: se a fiança foi prestada sem limitação de tempo para garantir um contrato de locação de imóveis urbanos, o fiador também poderá se exonerar após a notificação do locador (credor), mas fica vinculado por 120 dias, nos termos do art. 40, X, lei 8.245/91.

Da mesma forma, no contrato de mandato, tanto o mandante como o mandatário podem exercer o direito potestativo de resilição contratual. Se for exercido pelo mandante, o ato receberá o nome de renúncia; se, ao contrário, for exercido pelo mandatário, será uma revogação. (art. 682, I).

b)       Restrições à Resilição Unilateral dos Contratos

Ainda que previsto de modo expresso ou implícito, o direito à resilição unilateral não poderá ser exercido abusivamente, em situações que causariam graves prejuízos para o outro contratante. Lembremos do que foi visto sobre a função de controle da boa fé objetiva, que atua com o papel de limitar o exercício abusivo de posições jurídicas subjetivas (art. 187)

Nesse caso, a resilição contratual não poderá ser exercida se o outro contratante fez investimentos consideráveis no contrato e tinha legítimas expectativas da perpetuidade do vínculo pelo menos por mais algum tempo.

Com efeito, para conter os ânimos do titular do poder resilitório, o art. 473, p. único estabeleceu a seguinte regra inspirada na boa fé objetiva:

Art. 473 [...]

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

O dispositivo cria com isso uma espécie de “extensão compulsória da vigência do contrato” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, P. 535) Para ilustrar, cite-se o REsp 966.163/RS, no qual o STJ examinou uma lide travada entre uma concessionária e uma montadora de veículos. No entanto, pela leitura da ementa do acórdão, nota-se que o direito à resilição prevaleceu no caso concreto:

“2. O princípio da boa-fé objetiva impõe aos contratantes um padrão de conduta pautada na probidade, "assim na conclusão do contrato, como em sua execução", dispõe o art. 422 do Código Civil de 2002. Nessa linha, muito embora o comportamento exigido dos contratantes deva pautar-se pela boa-fé contratual, tal diretriz não obriga as partes a manterem-se vinculadas contratualmente ad aeternum, mas indica que as controvérsias nas quais o  direito ao rompimento contratual tenha sido exercido de forma desmotivada, imoderada ou anormal, resolvem-se, se for o caso, em perdas e danos.
3. Ademais, a própria Lei n.º 6.729/79, no seu art. 24 permite o rompimento do contrato de concessão automobilística, pois não haveria razão para a lei pré-conceber uma indenização mínima a ser paga pela concedente, se esta não pudesse rescindir imotivadamente o contrato.”

Contudo, em outro julgado o STJ aplicou o art. 473, p. único por analogia, como se observa no precedente abaixo:

“[...] - O exame da função social do contrato é um convite ao Poder Judiciário, para que ele construa soluções justas, rente à realidade da vida, prestigiando prestações jurisdicionais intermediárias, razoáveis, harmonizadoras e que, sendo encontradas caso a caso, não cheguem a aniquilar nenhum dos outros valores que orientam o ordenamento jurídico, como a autonomia da vontade.
 - Não se deve admitir que a função social do contrato, princípio aberto que é, seja utilizada como pretexto para manter duas sociedades empresárias ligadas por vínculo contratual durante um longo e indefinido período. Na hipótese vertente a medida liminar foi deferida aos 18.08.2003, e, por isto, há mais de 5 anos as partes estão obrigadas a estarem contratadas.
- A regra do art. 473, par. único, do CC/02, tomada por analogia, pode solucionar litígios como o presente, onde uma das partes do contrato afirma, com plausibilidade, ter feito grande investimento e o Poder Judiciário não constata, em cognição sumária, prova de sua culpa a justificar a resolução imediata do negócio jurídico. Pode-se permitir a continuidade do negócio durante prazo razoável, para que as partes organizem o término de sua relação negocial. O prazo dá às partes a possibilidade de ampliar sua base de clientes, de fornecedores e de realizar as rescisões trabalhistas eventualmente
Necessárias.” (REsp 972.436/BA)

3.4.              Morte

A morte é outra causa que pode romper o vínculo nos contratos personalíssimos, assim entendidos aqueles que só podem ser cumpridos pessoalmente pelo devedor. Situação especial do evento morte está no contrato de fiança.

O fiador, quando decide garantir o afiançado, não assume um dever de efetivar o pagamento do débito. O que ele contrai é a responsabilidade pelo pagamento, caso o devedor principal não venha a cumprir com a obrigação. Pode-se afirmar, portanto, que o fiador tem, a princípio, apenas a responsabilidade pelo débito, mas não a obrigação.

Isso acontece porque toda obrigação pressupõe a existência de um dever (schuld) e da responsabilidade (haftung). Logo, se o fiador tem a responsabilidade, mas não o dever, ele não tem obrigação.

Daí que, se o fiador vier a falecer antes de vencida a obrigação do contrato principal, a responsabilidade (posição de fiador) não é transferida para os herdeiros. Diversamente, se a dívida já estava vencida antes do seu falecimento, a “obrigação” se transfere aos herdeiros, até às forças da herança.

Portanto, ao se examinar o evento morte como causa extintiva do contrato de fiança, deve-se verificar se a dívida do contrato principal já existia ao tempo da morte do fiador. Se não a dívida não estava vencida, a responsabilidade, ou seja, a posição do fiador não se transfere para os herdeiros. Logo, o contrato de fiança é extinto!

Porém, se o débito já tinha vencido antes da morte do fiador, este contraiu o “dever” e, via de consequência, a obrigação do pagamento, que é transmitido aos herdeiros até as forças da herança.

Tal regra decorre da previsão contida no art. 836 do Código Civil:

Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.

3.5.              Direito de Arrependimento

Por fim, outra causa posterior que pode acarretar a dissolução/rescisão do contrato é o exercício do direito de arrependimento. É óbvio que esse direito, para ser exercitado, deve estar previsto no contrato de forma expressa.

O exemplo mais comum do exercício do direito de arrependimento é verificado nos contratos de promessa de compra e venda. Para tanto, a cláusula deve estar expressa no contrato, conforme o artigo 461 do Código Civil:

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

Contudo, ainda que o contrato permita o arrependimento, o contratante interessado deve verificar se vale a pena exercer o direito quando o próprio contrato prever multa pela desistência (arras penitenciais), pois, segundo o art. 420 do Código Civil:

Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.

3.5.1.                     Direito de Arrependimento no Código de Defesa do Consumidor (art. 49)

O consumidor que adquirir um produto fora do estabelecimento empresarial poderá exercer o direito de arrependimento dentro do prazo de 7 dias, contados da entrega do produto ou serviço sem nenhum custo.

Sobre este assunto, uma interessante matéria divulgada pela “Sala de Notícias” do STJ trouxe várias informações importantes. Farei a transcrição integral da matéria para complementar e finalizar o capítulo sobre a extinção dos contratos:


Quem nunca se arrependeu de uma compra por impulso que atire o primeiro cartão de crédito. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a situação é muito frequente, mas poucos consumidores sabem que podem desistir da aquisição e receber seu dinheiro de volta, sem ter de dar nenhuma explicação, se a compra tiver sido feita por telefone ou pela internet. É o chamado direito de arrependimento, garantido pelo artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O dispositivo assegura que “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”.

Seu parágrafo único estabelece que “se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados”.

Vale ressaltar que o direito de arrependimento não se aplica a compras realizadas dentro do estabelecimento comercial. Nessa hipótese, o consumidor só poderá pedir a devolução do dinheiro se o produto tiver defeito que não seja sanado no prazo de 30 dias. Essa é a regra prevista no artigo 18 do CDC.

Custo de transporte

Em caso de desistência da compra, quem arca com a despesa de entrega e devolução do produto? A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que esse ônus é do comerciante. “Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor nesse tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial”, diz a ementa do REsp 1.340.604.

O relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou no voto que “aceitar o contrário é criar limitação ao direito de arrependimento, legalmente não previsto, além de desestimular tal tipo de comércio, tão comum nos dias atuais”.

A tese foi fixada no julgamento de um recurso do estado do Rio de Janeiro contra a TV Sky Shop S/A, responsável pelo canal de compras Shoptime. O processo discutiu a legalidade da multa aplicada à empresa por impor cláusula contratual que responsabilizava o consumidor pelas despesas com serviço postal decorrente da devolução de produtos.

Seguindo o que estabelece o parágrafo único do artigo 49 do CDC, os ministros entenderam que todo e qualquer custo em que o consumidor tenha incorrido deve ser ressarcido para que ele volte à exata situação anterior à compra.

Assim, a Turma deu provimento ao recurso para declarar legal a multa imposta, cujo valor deveria ser analisado pela Justiça do Rio de Janeiro.
Financiamento bancário

O consumidor pode exercer o direito de arrependimento ao contratar um empréstimo bancário fora das instalações do banco. A decisão é da Terceira Turma no julgamento de recurso especial referente a ação de busca e apreensão ajuizada pelo Banco ABN Amro Real S/A.

A ação foi ajuizada em razão do inadimplemento de contrato de financiamento, com cláusula de alienação fiduciária em garantia (em que um bem móvel ou imóvel é dado como garantia da dívida). A sentença negou o pedido do banco por considerar que o contrato foi celebrado no escritório do cliente, que manifestou o arrependimento no sexto dia seguinte à assinatura do negócio.
No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afastou a aplicação do CDC ao caso e deu provimento ao recurso do banco.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou primeiramente que a Segunda Seção do STJ tem consolidado o entendimento de que o CDC se aplica às instituições financeiras, conforme estabelece a Súmula 297 do tribunal. 

Sendo válida a aplicação do artigo 49, a relatora ressaltou que é possível discutir em ação de busca e apreensão a resolução do contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária.

Para Nancy Andrighi, após a notificação da instituição financeira, o exercício da cláusula de arrependimento – que é implícita ao contrato de financiamento – deve ser interpretado como causa de resolução tácita do contrato, com a consequência de restabelecer as partes ao estado anterior (REsp 930.351).

Em discussão

Para facilitar ainda mais o exercício do direito de arrependimento, o Ministério Público (MP) de São Paulo ajuizou ação civil pública com o objetivo de impor nos contratos de adesão da Via Varejo S/A, que detém a rede Ponto Frio, multa de 2% sobre o preço da mercadoria comprada em caso de não restituição imediata dos valores pagos pelo consumidor que desiste da compra. Pediu ainda inclusão de outras garantias, como fixação de prazo para devolução do dinheiro.

A Justiça paulista atendeu aos pedidos, e a empresa recorreu ao STJ, que ainda não julgou a questão. Com o início da execução provisória da sentença, a Via Varejo ajuizou medida cautelar pedindo atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial que tramita na corte superior. Trata-se do AREsp 553.382.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso, deferiu a medida cautelar por considerar que o tema é novo e merece exame detalhado do STJ, o que será feito no julgamento do recurso especial. O Ministério Público Federal recorreu, mas a Terceira Turma manteve a decisão monocrática do relator (MC 22.722).

Alteração do CDC


O direito de arrependimento recebeu tratamento especial na atualização do CDC, cujo anteprojeto foi elaborado por uma comissão de juristas especialistas no tema, entre eles o ministro do STJ Herman Benjamin. A mudança é discutida em diversos projetos de lei, que tramitam em conjunto.  
PLS 281/12 (o texto do substitutivo está na página 44) trata dessa garantia na Seção VII, dedicada ao comércio eletrônico. Atualmente em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, o projeto amplia consideravelmente as disposições do artigo 49, facilitando o exercício do direito de arrependimento. Há emenda para aumentar de sete para 14 dias o prazo de reflexão, a contar da compra ou do recebimento do produto, o que ocorrer por último.

O texto equipara a compra à distância àquela em que, mesmo realizada dentro da loja, o consumidor não tenha tido acesso físico ao produto. É o que ocorre muitas vezes na venda de automóveis em concessionárias, quando o carro não está no local.

Também há propostas para facilitar a devolução de valores já pagos no cartão de crédito, para obrigar os fornecedores a informar ostensivamente a possibilidade do exercício de arrependimento e para impor multa a quem não cumprir as regras.

Passagem aérea

Outra questão que ainda não tem jurisprudência firmada refere-se ao exercício do direito de arrependimento nas compras de passagens aéreas pela internet. O Idec defende que o artigo 49 do CDC também deve ser aplicado a esse mercado, mas não é o que costuma acontecer na prática, segundo o instituto.  

O PLS 281 prevê a inclusão no código do artigo 49-A para tratar especificamente de bilhetes aéreos. O texto estabelece que, nesse caso, o consumidor poderá ter prazo diferenciado para exercer o direito de arrependimento, em virtude das peculiaridades do contrato, por norma fundamentada da agência reguladora do setor.


A agência, no caso, é a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que já vem fazendo estudos técnicos sobre o tema e pretende realizar audiências públicas para receber contribuições da sociedade. Por enquanto, a Anac estabelece que é permitida a cobrança de taxas de cancelamento e de remarcação de passagens, conforme previsão no contrato de transporte.

2 comentários:

  1. Olá pessoal, eu sou Patricia Sherman atualmente em Oklahoma EUA. Gostaria de compartilhar minha experiência com vocês sobre como consegui um empréstimo de US $ 185.000,00 para limpar meu saque bancário e iniciar um novo negócio. Tudo começou quando perdi minha casa e meus pertences devido ao saque bancário que levei para compensar algumas contas e algumas necessidades pessoais. Então, fiquei tão desesperada e comecei a procurar fundos de qualquer maneira. Felizmente para mim, uma amiga minha, Linda me contou sobre uma empresa de empréstimos, fiquei interessada, embora estivesse com medo de ser enganada, fui compelida pela minha situação e não tive escolha senão procurar aconselhamento do meu amigo sobre essa mesma empresa entrar em contato com eles realmente me fez duvidar devido à minha experiência anterior com credores on-line, mal conhecia essa empresa '' Elegantloanfirm@hotmail.com Esta empresa tem sido de grande ajuda para mim e para alguns dos meus colegas e hoje sou uma O orgulhoso proprietário de negócios e responsabilidades bem organizados é bem tratado, graças a esta empresa de empréstimos por colocar o sorriso no meu rosto novamente. Então, se você realmente precisa de um empréstimo para expandir ou iniciar seu próprio negócio ou em qualquer forma de dificuldade financeira, eu recomendo que você dê hoje à elegantloanfirm a oportunidade de elevação financeira do seu negócio hoje ... entre em contato através do. .. {Email:} Elegantloanfirm@hotmail.com ... não é vítima de fraude on-line em nome da obtenção de um empréstimo. obrigado

    ResponderExcluir